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Livros - Crítica/coletânea
Desencanto esconde grande riqueza dos contos de Onetti
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Poucas vezes ocorre um
lançamento editorial de
tal porte como este,
concebido tão na surdina. A razão para a relativa discrição talvez resida na circunstância de a
obra vir inserida numa série de
livros de contos, de um único
autor ou de vários, oferecida
sem maiores luxos (como orelhas) e a preço mais baixo.
Independentemente do mérito da série, que já reuniu histórias de Tennessee Williams e
de Primo Levi, o leitor não deve
se enganar: este volume traz
não somente os contos completos do uruguaio Juan Carlos
Onetti (1909-94) como também, por causa disso, apresenta
algumas das melhores narrativas curtas de todos os tempos.
Embora não tão famoso,
Onetti é um dos grandes escritores latino-americanos do século 20, ombreando com Jorge
Luis Borges e Julio Cortázar, e
muito acima, por exemplo, de
García Márquez ou de Vargas
Llosa. Seus melhores contos,
produzidos entre a década de
1940 e meados de 1960, merecem figurar em qualquer antologia dos mais extraordinários
do gênero. Isso sem mencionar
os romances, escritos na mesma época, como "Junta-Cadáveres" ou "A Vida Breve" (ambos lançados pela ed. Planeta).
Mas "extraordinário" não é
um adjetivo apropriado. As histórias de Onetti distinguem-se
justamente por sua falta de pretensão, pelo investimento no
miúdo, no sentimento que
margeia a apatia, na quase paralisia angustiante que acompanha os pesadelos, no mistério deixado pelo não dito, pelo
inefável. Sem alarde, sem contar nada fora do comum, elas
aos poucos vão fisgando o leitor
até tomar-lhe o fôlego.
Dom da palavra
É certo que Juan Carlos
Onetti tem o dom da palavra.
Pode-se pegar quase qualquer
uma de suas frases, e elas soam
definitivas, quase transcendentes. "Ninguém amou uma mulher com a força com que amo
sua ruindade, sua maneira definitiva de estar afundado na vida
suja dos homens", diz o narrador de "Bem-Vindo, Bob", conto em que a força do ódio que o
personagem sente pelo antagonista é tão forte que beira o homoerotismo. "Olhei a forma estendida, imaginando quem ensinara aos mortos a atitude da
morte", declara o herói de "A
Face da Desgraça", como quem
não quer nada.
Sonho inalcançável
Há, nas narrativas de Onetti,
um sentido de perda, de coisa
impossível, decorrente do embate entre a realidade, sempre
degradada, e algum projeto ou
sonho, sempre inalcançável.
Essa quimera gera nos personagens um desejo frustrado de
evasão, que pode configurar-se
na vontade de levar uma existência mais romanesca (como
em "O Possível Baldi"), de isolar-se num local remoto ou mítico ("Excursão" e "Convalescença"), de ter a vida que poderia ter sido e que não foi ("Bem-Vindo, Bob"), de encontrar o
amor ("A Face da Desgraça")
ou de viver um sonho, que se
revela vizinho da morte; esta, a
única instância concreta em
que a paz e a compreensão são
enfim alcançáveis ("Um Sonho
Realizado").
Diante do impasse, os personagens tendem à apatia, à tibieza, a uma entrega à corrupção.
Mas essa atitude não confere às
histórias, em que muitas vezes
os sujeitos e os locais não são
nomeados, um idêntico desencanto. Por mais negras ou sórdidas que se mostrem, elas geram um estranho interesse que
está ligado, de um lado, à forma
singularmente perfeita com
que se engendram.
De outro, o interesse se dá
porque a ficção de Onetti diz
respeito a sentimentos e sensações comuns a todos nós. Ela
fala da perda das ilusões suscitada pelo escoamento dos dias,
descreve o fardo da consciência
inevitavelmente entrelaçada à
finitude da carne. O resultado é
que ela fornece um dos mais
impressionantes retratos da alma humana, atormentada pela
própria condição de ter vindo
ao mundo.
47 CONTOS DE JUAN CARLOS ONETTI
Autor: Juan Carlos Onetti
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42 (448 págs.)
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