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FERREIRA GULLAR
Diamba
Tidos como "caretas", fomos excluídos de certas festas que, a bem dizer, já não eram festas
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EU SOU do Maranhão, terra da
maconha, que lá se chama
diamba. Dos 13 aos 15 anos,
fora da escola, tornei-me uma espécie de campeão mirim de bilhar, no
botequim do Constâncio, na praia
do Caju. Como era de menor e não
tinha dinheiro, jogava numa sala escura que havia nos fundos do boteco, num bilhar velho, e pagava
moendo cana, numa pequena
moenda que havia ali mesmo. Um
dia, Carrapicho me chamou num
canto e me deu um cigarro de diamba para eu tragar. Achei horrível,
com gosto de capim velho, e quase
vomito. Já Maninho experimentou
e gostou. Da diamba passou para a
cocaína, virou marginal, veio parar
numa favela do Rio, onde sumiu. Foi
encontrado muitos anos depois, internado numa clínica psiquiátrica,
em Belo Horizonte, e lá morreu.
Em São Luís, naquele tempo, fumar maconha era coisa de marginal
e, de vez em quando, nos subúrbios
por onde eu andava, surgia um bafafá, provocado por algum maconhado que endoidara e ameaçava matar
alguém a facadas. Uma tarde, na Madre de Deus, vi um sujeito sair "nuinho" na rua, com um revólver na
mão ameaçando atirar em todo
mundo. Amarrara um bode.
É verdade que, naquele tempo, essa expressão não existia nem era
charmoso curtir um baseado, como
passou a ser depois que os Beatles
tornaram as drogas a salvação da juventude. Quem não fumava maconha nem cheirava cocaína era "careta", um pobre de espírito, que acreditava em gente com mais de 30
anos. Não se ia a uma festa de aniversário que não rolasse um baseado. Alguém acendia o cigarro, que
passava de mão em mão. Nas festinhas de adolescente era a mesma
coisa, quem não topava não era mais
convidado e terminava aderindo.
A pressão para o cara se drogar era
grande. Maconha e cocaína tornaram-se uma espécie de seita, que
identificava quem era da tribo e
quem não era. Eu, Vianinha, Teresa,
Paulo Pontes não éramos. Tidos como "caretas", fomos excluídos de
certas festas que, a bem dizer, já não
eram festas, mas simples pretextos
para se drogarem, ao som atordoante da guitarra de Jimi Hendrix. Dizia-se, com orgulho, que ele era doidão e que, de tanto injetar cocaína
nas veias, já não tinha uma veia incólume nos braços e estava injetando
nas da cabeça. Era, como se vê, uma
maravilha! Tempos heróicos aqueles. Pena que os heróis daquele tempo deram-se todos muito mal, morrendo de overdose. Era a contracultura. E eu pensava comigo: se o homem é um ser cultural, em que se
transformará destruindo a cultura?
Depois que alguns dos nossos conhecidos se deram mal e terminaram no Pinel, em camisa-de-força,
passou-se a alegar que perigoso
mesmo era cheirar cocaína, mas fumar maconha, não, a maconha era
inofensiva. Um casal conhecido nosso -ele era um pacato funcionário
público e a mulher, professora do
Instituto de Educação- decidiu experimentar um baseado, numa roda
de amigos. Ela amarrou um bode,
quis se jogar pela janela do apartamento, foi preciso chamar a ambulância. Ficou internada alguns dias
e, depois que voltou para casa, vestiu
um chambre branco, fez uma cruz
com cabos de vassoura e ficou a andar pela casa, murmurando palavras
sem nexo. O marido mau-caráter
mandou chamar os pais dela e a entregou a eles: toma que a filha é tua.
Como se vê, a maconha é inofensiva e quem fala mal dela é por puro
preconceito de pequeno burguês.
Sim, porque o burguês, esse não tem
preconceitos, muito pelo contrário.
Que seria do comércio de drogas
sem essa parte avançada da classe
média?
Oduvaldo Viana Filho, o nosso
saudoso Vianinha, certa ocasião foi
com uma equipe de filmagem para
uma praia perto do Rio. Findo o trabalho, começava o fumacê. Vianinha
ficava isolado e ainda tinha que suportar a catequese dos companheiros de trabalho. A pressão foi se tornando insuportável e ele chegou
mesmo a admitir que estava sendo
demasiado irredutível. A verdade é
que aquele pessoal fumava e no dia
seguinte trabalhava normalmente.
Decidiu experimentar. Na quarta
tragada, endoidou, sua cabeça parecia que ia estourar, amarrara um bode. Entrou mar adentro e, sem saber
nadar, quase morre afogado, não
fosse retirado das águas por alguns
desconhecidos que o acudiram.
Mas até hoje há quem defenda a
legalização da maconha, que seria
uma droga leve e inofensiva. Na verdade, estudos científicos demonstraram que ela causa os mesmos
males que o fumo (dependência,
câncer no pulmão, bronquite crônica, enfisema), além de, em certas
pessoas, provocar surtos psicóticos.
É o que dizem os médicos, mas
não basta sabê-lo, uma vez que a
adesão às drogas tem causas mais
complexas do que a mera necessidade de contestar ou experimentar o
proibido.
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