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Esboços de Tintim
Aos 80 anos, personagem de Hergé tem a primeira história e a última, inacabada, publicadas no Brasil
PEDRO CIRNE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No próximo sábado, um dos
mais importantes personagens
dos quadrinhos europeus fará
aniversário: são 80 anos desde
que Tintim, já com seu indefectível topete e seu cão Milu, estreou no jornal belga "Le Vingtième Siècle".
Desde então, foram 24 aventuras bem-humoradas, que envolvem mistérios, tiranos e até
fenômenos inexplicáveis em
lugares que vão do Congo ao Tibete, passando pela Lua.
E, pela primeira vez, duas importantes obras do personagem são publicadas no Brasil:
"As Aventuras de Tintim Repórter do "Petit Vingtième" no
País dos Sovietes" (sua estreia)
e "Tintim e a Alfa-Arte", sua última -e incompleta- história.
As duas edições, somadas aos
lançamentos de "Tintim e os
Pícaros" (ambientada na América do Sul) e "Vôo 714 para
Sydney" (no sudeste asiático),
encerram a coleção da Companhia das Letras que trouxe ao
país, pela primeira vez, a série
completa do belga Hergé.
Para Thyago Nogueira, editor dessa coleção, uma das
principais qualidades da série é
a contextualização das histórias. "A pesquisa, que era uma
preocupação forte do Hergé, de
levar o Tintim a países diferentes, é uma característica que se
manteve e foi se aperfeiçoando", diz Nogueira.
Enquanto "Tintim e os Pícaros" e "Vôo 714 para Sydney"
trazem histórias que se encaixam nessa descrição, as outras
duas são curiosas exceções à
trajetória do personagem.
"Não são histórias como todas as outras", diz Nogueira. "O
"País dos Sovietes" é um desenho um pouco menos acabado
do que ele fez depois. E "Alfa-Arte" é uma história inacabada... São os bastidores de uma
história do Hergé."
Embrião da série
"País dos Sovietes" começou
a ser publicada quando Hergé
tinha apenas 21 anos (veja o
quadro à esquerda). O álbum é
um embrião do que viria a ser a
série. Tintim ainda atua acompanhado apenas pelo cachorro
Milu -seu ótimo e divertido rol
de coadjuvantes (o capitão
Haddock, o professor Girassol,
a cantora Bianca Castafiore, os
policiais Dupond e Dupont, o
vilão Rastapopoulos) ainda não
havia sido criado.
O roteiro de "País dos Sovietes" também é diferente. Primeiro, por ser inocente. Eram
outros tempos (final dos anos
20), mas é curioso ver o personagem assustar alguns inimigos apenas vestindo um lençol
com furos para os olhos e se fazendo passar por um fantasma.
Além disso, Tintim, que viria
a ser um exemplo de bom moço, toma atitudes que mais tarde seriam impensáveis, como
agredir um policial ou roubar
um barco ou um carro.
O roteiro dessa primeira história é um panfleto anticomunista -o "Vingtième Siècle" era
editado por um admirador de
Mussolini. Na trama, o repórter
Tintim viaja à União Soviética
para ver o que "de fato" acontece por lá. O que ele "descobre"
são fábricas de fachada, com as
quais "os sovietes tapeiam os
coitados que ainda acreditam
no "paraíso vermelho'", no dizer do próprio personagem. O
país que Tintim encontra é violento, corrupto e tira trigo da
população pobre e faminta para
fazer propaganda da nação soviética no exterior.
A última aventura
Hergé morreu em 1983, antes
de concluir "Tintim e a Alfa-Arte", que seria a 24ª aventura do
repórter. Esta edição que chega
ao Brasil apresenta o texto em
prosa, ao lado dos rascunhos
para cada página que já havia
sido roteirizada.
Assim, a leitura não flui tão
bem como se já estivesse finalizada. Perde-se a graça de algumas gags visuais de Hergé. Por
outro lado, é uma aula de como
fazer histórias em quadrinhos:
é possível ver como o quadrinista pensava, com traços bem
simples, como resolveria a diagramação de seu enredo dentro
de cada página.
Além disso, há no final da
edição esboços e anotações que
poderiam ter sido usadas até o
final da história -por exemplo,
a identidade real do vilão (a história aborda um caso de falsificação de obras de arte). É curioso, pois estão registradas até as
dúvidas do próprio Hergé:
"Tintim (...) só será salvo graças
a... Milu? Haddock? Ao professor? A...?".
O leitor fica sem saber, mas
não importa. "Tintim e a Alfa-Arte" é uma espécie de making
of de uma história em quadrinhos sofisticada, cuja criatividade de seu artista faz dela, ainda hoje, um dos maiores marcos das HQs da Europa.
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