|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O estilo do século 21 é não ter estilo"
O arquiteto italiano Massimiliano Fuksas comenta os rumos da profissão e revela detalhes de seu primeiro projeto em SP
Depois de desenhar a Fiera di Milano, Fuksas pretende construir "lagartas gigantes de madeira" para o novo Istituto Italiano di Cultura
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Massimiliano Fuksas promete construir duas enormes lagartas de madeira, integradas à
floresta nativa que sobrou num
terreno de Higienópolis, em
São Paulo -é sua proposta para
a nova sede do Istituto Italiano
di Cultura. Na Itália, o pavilhão
que o arquiteto fez para a Fiera
di Milano lembra uma avalanche de vidro esbranquiçado, como a neve que cobre os Alpes.
Fuksas acredita que a arquitetura serve para "criar emoções a partir da topografia", ou
seja, fazer prédios que se ligam
ao entorno de forma orgânica.
Este italiano é hoje um dos
maiores nomes da arquitetura
contemporânea: são dele a fábrica da Ferrari, na Itália, o
Centro da Paz, em Israel, além
de projetos sob medida para
Giorgio Armani e Alessi.
São todas construções que
têm como espinha dorsal a tentativa de emocionar. É uma tarefa que prescinde do modernismo, escola que, segundo ele,
ficou no século passado e hoje
deu lugar a uma espécie de
"teoria do caos" na arquitetura.
"Ainda bem que não há um só
estilo hoje", diz o arquiteto, que
compara a construção à cozinha molecular de Ferran Adrià.
Fuksas esteve em São Paulo
para apresentar seu projeto para o Istituto Italiano di Cultura
e falou à Folha, por telefone.
Leia a seguir os principais trechos da conversa.
FOLHA - Como será seu primeiro
projeto em São Paulo?
MASSIMILIANO FUKSAS - Será um
projeto muito orgânico, que
acredita na sustentabilidade,
no ambiente. Vou construir
com lâminas de madeira submersas na água esverdeada. Vamos erguer tudo isso no mesmo
terreno [de um casarão na avenida Higienópolis]. São duas
esferas de madeira, que se parecem com dois animais ao mesmo tempo estranhos e domésticos. É muito, muito matérico.
FOLHA - Integrar-se ao entorno deve ser a principal meta da arquitetura contemporânea?
FUKSAS - Acho que a linguagem
da arquitetura é a junção entre
criar emoções e a topografia,
projetos que tenham relevância topográfica. A arquitetura
deve se aproximar dos acidentes no terreno, transformar o
lugar. É a principal idéia que
norteia o projeto que fiz para o
aeroporto de Shenzhen [em
Bao'na, na China].
FOLHA - Isso, no entanto, já era um
preceito do modernismo, ao mesmo
tempo que o que o sr. faz tende a refutar a tradição modernista.
FUKSAS - O moderno é uma coisa do século passado. Podemos
dizer que aquele foi o século do
moderno. Este século tem outros elementos, que, podemos
dizer, são mais próximos da
teoria do caos, da imprevisibilidade do que faz o homem, começando com a meteorologia e
chegando até a economia. Tudo
isso também tem se demonstrado parte da teoria do caos. A
arquitetura, na minha opinião,
é uma filosofia científica.
FOLHA - Se o século passado foi o
século do modernismo, existe hoje
outro estilo dominante? Há unidade
linguística na arquitetura atual?
FUKSAS - Ainda bem que não há
hoje uma unidade estilística.
Acho que não devemos buscar
um estilo, mas voltar a colocar
o homem no centro do palco.
Não sei bem como fazer isso,
mas é importante pensar nisso.
O estilo do século 21 é não ter
um estilo. É o problema de contrastar as formas, ir contra o
que virou a regra da arquitetura
comercial norte-americana,
por exemplo, que constrói os
mesmos prédios em todos os
lugares do mundo, em vez de
pensar no cenário local, na arquitetura. Ocorreu uma má interpretação da globalização.
FOLHA - O retorno em peso do neoclássico na arquitetura comercial é
um sintoma dessa falta de estilo?
FUKSAS - Esse neoclássico é de
mentira, é uma coisa um tanto
tardia. É difícil porque é importante agora, na arquitetura comercial, encontrar uma forma
de dar um verniz clássico e cultural às construções feitas para
as classes que enriqueceram
nos últimos anos e não consumiam arquitetura ainda e não
tinham essa identidade.
FOLHA - Enquanto isso, a arquitetura de autor se volta para formas
orgânicas e a biologia como fontes
mais atuais de inspiração.
FUKSAS - Acho que sim, basta
olhar para o que faz Ferran
Adrià na cozinha molecular.
Não precisa fazer o que ele faz,
mas é importante buscar dentro de cada ciência as técnicas
mais avançadas.
FOLHA - O sr. já afirmou que há um
problema de escala na arquitetura
contemporânea, que não consegue
responder às necessidades do homem. A biologia influencia a escala?
FUKSAS - Tudo está mudando.
É preciso que haja uma nova
densidade, áreas de grande
densidade habitacional ao lado
de áreas livres. Isso sim é uma
molécula importante para fazer funcionar uma cidade. Há
uma crise enorme na habitação, e é um problema não só
quantitativo, mas qualitativo.
As moradias devem ser encaradas como moléculas que dão vida a um corpo. A cidade é complexa demais, e não podemos
renunciar à sua densidade. Às
vezes acho que esquecemos a
razão de ser da arquitetura, que
é melhorar a vida do homem.
FOLHA - Mas o sr. é um otimista.
FUKSAS - Acho que porque começa a haver uma consciência
maior do poder político, dos governos do mundo. É importante juntar todas as forças num só
projeto, sem pensar no passado
ou no mundo acadêmico. O
neoclássico, por exemplo, já
não tem razão de existir. No lugar disso, começam a surgir
propostas, ofertas que acreditam nas emoções positivas, que
descartam a angústia. Precisamos fazer cidades, bairros e casas não guiados pelo medo, mas
pela vida, a esperança.
Texto Anterior: João Pereira Coutinho: Mudar as palavras Próximo Texto: Frase Índice
|