São Paulo, quarta, 6 de janeiro de 1999

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CINEMA
O crítico suíço Bruno Fischli assumiu recentemente a direção da entidade em SP e promete privilegiar a área
Filmes alemães voltam à tela do Goethe

LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas

Desde meados de 1998 o Instituto Goethe de São Paulo encontra-se sob a direção de um especialista em cinema, o suíço Bruno Fischli. O fato é significativo, pois foi o cinema alemão dos anos 70 e 80, chamado de novo cinema alemão, o grande veículo responsável pela projeção dos institutos Goethe no mundo e, em especial, no Brasil.
Era a época de grandes nomes, como Werner Herzog, Rainer Werner Fassbinder, Volker Schlöndorff, Wim Wenders, Alexander Kluge fazendo filmes que, mal saídos do forno, chegavam em cópias 16 mm ao público brasileiro por meio do Goethe.
Fischli formou-se juntamente com essa geração e foi um dos responsáveis pela introdução da carreira de estudos de cinema nas universidades alemãs.
Sua intensa atividade como crítico -iniciada, aliás, com um artigo sobre o cinema novo brasileiro- ajudou a divulgar os novos cineastas daquele tempo.
Antes de ingressar nos quadros do Instituto Goethe, lecionou cinema em Colônia e Osnabrück, e dirigiu o Centro Suíço de Cinema.
Sua presença atual no Goethe de São Paulo promete recolocar o cinema na linha de frente, embora o cinema alemão contemporâneo esteja ainda praticamente ausente da programação.
Para 1999, as grandes apostas são cópias restauradas de clássicos acompanhados de música ao vivo, como a série de filmes silenciosos dos anos 10, o "Fausto", de Murnau, a ser apresentado nos eventos comemorativos dos 250 anos de Goethe, e uma projeção-concerto do famoso "Golem".
Nesta entrevista, Fischli fala de sua formação e analisa o papel cultural do Instituto Goethe no Brasil.

Folha - Sua formação está estreitamente ligada ao desenvolvimento do chamado novo cinema alemão. Foi esse movimento que o levou a estudar cinema?
Bruno Fischli -
Na verdade, na universidade estudei teatro, pela simples razão de que ainda não havia estudos de cinema. No final dos anos 60, época dos movimentos estudantis, desenvolvi, junto com outros três colegas, um currículo de estudos do cinema que até então não existia.
E, como entre 1968 e 1969 ocorreram transformações gerais, conseguimos passar esse currículo no Ministério da Educação, que então instituiu a cadeira de estudos de cinema nas universidades. Assim tornei-me automaticamente professor de cinema.
Na verdade, queria fazer filmes. Fiz alguns documentários, mas acabei ficando vários anos na universidade, antes de passar a dirigir o Centro Suíço de Cinema de Zurique e Genebra, o que era mais próximo da produção de filmes.
Enquanto professor, viajei muito pelo Instituto Goethe como especialista em cinema, fazendo oficinas e seminários quase no mundo inteiro. Infelizmente, nunca na América Latina.
Folha - Naquela época, os cineastas alemães estavam muito ligados ao cinema brasileiro, especialmente ao cinema novo. Werner Herzog, Werner Schroeter, Peter Lilienthal...
Fischli -
Przygodda, que sempre está por aqui... Para nós todos, no começo dos anos 60, o cinema novo foi importantíssimo. Aliás, o primeiro ensaio que escrevi, publicado na revista "Diskurs", em 1965, foi sobre o cinema novo e Glauber Rocha.
A cadeia de cinema Lupe, de Berlim, mostrou todos os filmes do cinema novo, o que foi para nós uma revelação. Penso que, para o novo cinema alemão, o cinema novo foi fundamental, foi a orientação. Por exemplo, um filme como "A Gente Pobre de Krombach", de Reinhard Hauff, parece estar ambientado no sertão. Tem tudo a ver com o cinema novo, os mesmos enquadramentos, aquela mesma vontade de mergulhar na realidade para contar uma ficção, de encontrar paisagens inéditas.
Folha - O Instituto Goethe, no Brasil, no final dos anos 70 e começo dos 80, desempenhou um papel muito importante na época da ditadura militar. Mostrava, por exemplo, filmes que eram proibidos no restante do país. Foi, portanto, um papel admirável, tanto político quanto cultural. Hoje, esse papel mudou.
Fischli -
Sim, e é preciso questionar o que mudou e por que mudou. Observando-se a história do Instituto Goethe, percebe-se que seu papel foi mais importante nos países não-democráticos. Não porque esses institutos sejam ligados ao governo alemão, mas porque são centros abertos de cultura.
O Goethe desempenhou esse papel não apenas no Brasil, mas, por exemplo, na Espanha, durante o regime de Franco. Mas agora são poucas as ditaduras no mundo. Portanto, aquela função de ser um centro aberto de cultura, como alternativa para a repressão reinante, não existe mais.
Não acredito que o cinema alemão depois de Herzog, Wenders, Fassbinder não tenha mais nada a dizer. Ainda hoje existem excelentes filmes alemães. A questão é: por que não podemos mais lidar com esses filmes novos como fazíamos naquele tempo?
O problema hoje é que não recebemos mais os filmes, pois eles não são mais distribuídos comercialmente. Antigamente, os cineastas estavam ligados aos princípios autorais. Eles não apenas escreviam seus próprios roteiros e eram seus próprios produtores, mas também negociavam seus filmes. Hoje, os cineastas, tanto os antigos quanto os novos, transferem seus direitos para empresas cujo interesse é puramente comercial.
Folha - Antigamente, havia a Filmverlag der Autoren (Editora do Cinema de Autor), que tinha um papel eminentemente cultural.
Fischli -
Essa distribuidora ainda existe, embora nas sombras e já sem muitos dos filmes que possuía. Herzog e vários outros há muito retiraram dela os direitos de seus filmes. E todos esses direitos hoje estão nas mãos de empresas exclusivamente comerciais, que nada têm daquela função cultural e política. Querem dinheiro e nada mais. É uma história triste.
Folha - Vocês estão preparando para o ano 2000 um grande evento sobre expressionismo?
Fischli -
Neste momento, há dois curadores brasileiros na Alemanha. Marcelo Araújo, do Lasar Segall, em São Paulo, e Lauro Cavalcanti, do Paço Imperial, no Rio. Estão visitando museus alemães para requisitar o empréstimos de algumas obras expressionistas.
No começo de 99, devem vir ao Brasil dois curadores da Alemanha, de duas instituições de empréstimo, para examinar as condições técnicas.
Folha - O sr. disse que o dinheiro da Alemanha diminuiu muito nos últimos tempos. Onde é que se obtém a verba complementar?
Fischli -
O desenvolvimento de projetos com parceiros locais tem também um lado financeiro. Quando trabalhamos em parceria é, entre outras razões, porque podemos unir nossas possibilidades financeiras.
Aqui em São Paulo, temos a grande sorte de existir o Sesc, um parceiro maravilhoso, confiável e, do ponto de vista organizacional, absolutamente profissional. Sem o Sesc seria difícil realizar grandes projetos, como o do "Golem" e outros. O projeto do expressionismo será realizado com o Masp.
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O articulista Marcelo Coelho está em férias


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