NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Ah, você já foi a Londres, Paris e Nova York, já viu as mais fascinantes livrarias de cozinha, especializadas, tão charmosas... Ah, pensa que viu, não viu nada. Entre ali, na Consolação, número 3.542, uma espécie de butique, fachada bonita, degraus ladeados por vasos, uma sala arejada com 4.000 livros, um restaurante, uma sala de aulas, pomarzinho, horta. É, aqui mesmo, em São Paulo.
Sente-se na mesa redonda de mármore, olhe pela enorme janela de vidro transparente, atenta para o vai-e-vem do hotel em frente. Uma delícia ficar ali, vendo as pessoas, folheando um livrinho novo, de cozinha. Tudo calmo, interessante, sem stress, sem barulho, mas acontecem coisas sem parar.
Uma senhora que entra e que quase chora "mas como, os livros não são em italiano?". "Não são, não, senhora." Cada um puxa a sardinha para a sua brasa, uns querem em francês, outros em japonês, outros em chinês. Isso não existe, esquece, os livros de cozinha são em português do Brasil, em português de Portugal (poucos, os que existem) e muitos em inglês, o esperanto das línguas.
E os clientes vão entrando e se sentando ou passeando, mas sempre na conversa, motivados por esse assunto sem fim que é a comilança. Do meu lado, a mineirinha que quer aprender a fazer peixes para o marido, quer aprender do começo, saber as espécies, os nomes, o modo de cozimento. E acha preciosidades, o Alan Davidson, não pode existir ninguém mais sabido do que ele em relação a peixes. E outro livro para mergulhadores que serve para nós com a cara do peixe e tudo. O marido solícito comprou para ela um livro de massas da Marcella Hazan, os peixes ficam para outra vez, ele prefere as massas.
Chega a tia simpática com uma geléia nova cujo ingrediente é segredo. Está preparando o curso de geléias que vai dar em fevereiro; prometi uma geléia de manga verde e, não acho, vai me achar caloteira.
Para você que quer aprender, a livraria tem tudo, é o céu. Tem manuais, livros de iniciação à cozinha, presentes lindos para as amigas e para as crianças, coisas inesperadas e interessantes.
Para você que já tem tudo é um purgatório, e resta uma grande responsabilidade, fazer a livraria vingar como livraria moderna e especializada em comida, o que não é sopa, convenhamos. Já se investiu lá todo o dinheiro possível: tem computadores, atendentes inteligentes e simpáticas, hospitalidade nota dez, restaurante começando a funcionar (para lanches e almoço), muito empenho e boa vontade... e já muitos clientes, também.
O projeto arquitetônico, lindo, é de Cecilia Vicente de Azevedo. A dona é a loirinha Gabriela Masciolli, e não se enganem, com 27 anos, olhos redondos azuis, uma "brutta atenzione"... vai longe.
Por enquanto são 4.000 livros, Elizabeth David em inglês e português, MK Fisher em inglês e português e alguns livros pouco conhecidos e bons sobre ela, sua biografia, cartas, fotos.
Em vôo de pássaro, tem as coisas mais inesperadas. Um livro de ostras magnífico, coletâneas de revistas como "Marie Claire" e "Vogue" e a Claudia Roden num livro só de piquenique; os livros do Senac, da DBA, da Cia. das Letras e da Martins Fontes, e mais e mais, e tem aquele que eu adoro, o "Simply Spectacular", com receitas infalíveis do Vongerichten. Daniel Boulud muito bem representado, com uns dois livros novos, e o Gordon Ramsay com seus peixes. Do Brasil, o último é "Doces Sabores" de Rosa Belluzzo e Marina Heck, bom, ótimo, com texto, foto e receitas...
Os países estão todos lá, comprei um livro sobre a Índia lindo, e olhe que já tenho tantos... Sushimen, beware!!!! Todos querem livros de sushi, todos querem tomar o lugar de vocês e ficar em casa no domingo enrolando algas. Eu vi. E um especialíssimo livro de como fotografar comida...
Bem, os livreiros querem saber nosso perfil, cabe a nós botar a cara lá, pedir o que mais queremos, voltar, pedir de novo, telefonar, reclamar. Não podemos deixar que a iniciativa se transforme em alguma outra coisa por falta nossa. Quero mais dicionários e guias de comida de viagem. E você?