São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2009

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CARLOS HEITOR CONY

Os Carnavais de Joãosinho Trinta


O aprendizado teatral deu-lhe noção magnífica para os desfiles das escolas em que atuou


CORPO DE BAILE do Teatro Municipal, 1956 -uma grande fase na vida cultural e artística do Rio de Janeiro, tendo como núcleo o Teatro Municipal num de seus momentos mais produtivos.
Bailarinos e coreógrafos de fama internacional, como Léonide Massine, Margot Fonteyn, Nora Kovac e Alicia Markova lideravam as apresentações de nosso principal corpo de baile, em que se destacava pela vivacidade e pelo entusiasmo um menino maranhense, cuja altura não o recomendava para papeis de bailarino-nobre. Embora possuísse técnica suficiente para fazer um "pas de deux" do "Cisne Negro" e do "Dom Quixote", ele não encontrava uma parceira que combinasse com a sua pequena estatura.
Mesmo assim se destacava, sobretudo, em balés movimentados como "Gaîté Parisienne" e "Chapéu de Três Bicos", criações de Massine com cenários realizados por Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues.
Foi nessa época que conheci Joãosinho Trinta no coro do corpo de baile, corista sim, mas interessado em aprender com Pamplona todos os macetes da cenografia teatral. Sua carreira no balé seria curta, mesmo porque o teatro mantinha temporadas intermitentes e nem sempre bem produzidas. Joãosinho percebeu que seu futuro estava na cenografia, mas os limites do palco eram acanhados para sua febre criativa. Fatalmente teria de ir para a rua, para as grandes avenidas e passarelas, para verdadeiros balés em que o corpo de baile explodiria em milhares de passistas, solistas e destaques.
O aprendizado teatral deu-lhe uma noção magnífica para os desfiles das diversas escolas de samba em que atuou. Pode-se dizer que o Carnaval teve duas fases: antes e depois de Joãosinho Trinta. Brincou genialmente com a aparente dicotomia do lixo e do luxo, obteve resultados antológicos que nunca foram superados.
Tenho um depoimento a dar. Quando Franco Zeffirelli veio ao Rio montar "La Traviata" no Teatro Municipal, ele já trazia de Milão cenários, figurinos e adereços com os quais fazia suas criações, inclusive para filmes da Metro-Goldwyn-Mayer. Num Carnaval, levei-o para assistir a um desfile de Joãosinho Trinta. Zeffirelli surtou. No dia seguinte, começou a modificar os dois balés do terceiro ato da obra de Verdi, introduzindo máscaras, fita, estandartes e passos de dança que ele copiara de Joãosinho Trinta. Foi um espetáculo à parte: por duas vezes o público se levantou para aplaudir os achados que Zeffirelli captara dos desfiles de Joãosinho Trinta.
Amigo e admirador dele há mais de 40 anos, no meu tempo de editor de revistas que cobriam o Carnaval, como "Manchete" e "Fatos & Fotos", tinha nele a salvação da lavoura quando precisava de uma capa ou de uma página dupla que causasse impacto.
Do menino maranhense que fazia um garçom num cabaré parisiense de fim de século, no clássico de Léonide Massine ("Gaîté Parisienne", música de Jacques Offenbach), ao mestre que deu nova sintaxe e metamorfose aos desfiles de nosso Carnaval, considerado a "ópera de rua", o homem foi sempre o mesmo: o grande e querido Joãosinho Trinta, patrimônio incontestável da arte popular brasileira.

 

O texto acima é o depoimento que dei ao livro "O Brasil É um Luxo -Trinta Carnavais de Joãosinho Trinta", de autoria de Fábio Gomes e Stella Villares, que será lançado na próxima segunda-feira, dia 9 de fevereiro. Do belo trabalho dos autores, com ilustrações e fotos que bastariam como prova do seu talento, há textos de Fernando Pamplona, Hiram Araújo, Milton Cunha, Gilberto Gil, Ivaldo Bertazzo, Lino Villaventura, Rubens Gerchman e Sérgio Brito.
Nos últimos anos, o mercado editorial tem dado merecida importância aos nossos artistas, bastando citar as biografias de Carmen Miranda (Ruy Castro), Tim Maia (Nelson Motta), Janete Clair (Artur Xexéo), a recente série de Maysa Matarazzo na televisão e de outros ídolos cultuados por nosso povo. O universo do Carnaval, no qual Joãosinho Trinta se destacou como imperador, faz parte da persona da nação chamada Brasil.


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