São Paulo, domingo, 06 de fevereiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Obras de Guignard se deterioram em BH

Painéis feitos pelo artista em paredes e tetos de amigos sofrem com rachaduras e infiltrações e não podem ser movidos

Pintor realizava obras para agradecer quem o hospedava nas fases em que ele não tinha renda suficiente para moradia

ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Entre os anos 1940 e 1960, o pintor fluminense Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) morou de favor em casas de amigos.
Sem família, alcoólatra e com uma fissura congênita no palato que o impedia de se alimentar e falar corretamente, ele usava o expediente não só por falta de dinheiro, mas em busca de convívio.
Como retribuição à hospedagem, Guignard pintou portas, janelas, biombos e armários com motivos florais ou paisagens. Deixou também em tetos e paredes ao menos uma dezena de painéis, mais representativos de sua obra.
As pinturas, hoje extremamente valiosas, podem ser encontradas no Rio, em Belo Horizonte e em Ouro Preto e enfrentam problemas.
Nenhuma pode ser transportada. Algumas foram destruídas e outras estão se perdendo por causa de infiltrações ou rachaduras.
"Uma infiltração do vizinho está prejudicando terrivelmente o mural. Já fizemos várias restaurações caríssimas", diz Clara de Andrade Alvim, filha de Rodrigo Melo Franco, criador do Iphan.
A pintura tem cerca de dois metros de altura e foi feita em 1946 na casa de seu pai, em Ouro Preto. Hoje, a residência está alugada.
Guignard não utilizava a técnica do afresco, que permitiu, por exemplo, que o teto da Capela Sistina, pintado por Michelangelo no século 16, chegasse aos dias de hoje. Ele pintava com tinta a óleo sobre a parede, o que tornou as obras vulneráveis.
O mural "Paisagem Colonial Mineira", com quatro metros de largura, da década de 1940, no apartamento de Redelvim Andrade, em Belo Horizonte, está com vários trechos descolando.
Um antigo morador, incomodado com os visitantes, pintou por cima da obra, mas, em 1985, especialistas removeram a tinta.
O empresário Mário Dantés, atual proprietário, diz que pretende alugar o apartamento. "Gostaria de levar a pintura para o meu sítio, mas fico com medo de retirá-la."
Há 25 anos, ele pagou US$ 60 mil (R$ 100 mil) pelo imóvel. Segundo o diretor da Bolsa de Arte, Jones Bergamin, se pudesse ser vendida, a pintura valeria R$ 2 milhões.
Para retirá-la, contudo, seria preciso arrancar toda a parede. "É muito arriscado. Ninguém com critério profissional faria isso", diz o restaurador Edson Motta.
Já a obra "Visão de Minas", com 11 m2, está num local em Belo Horizonte onde hoje funciona uma loja. Um livro já foi escrito a seu respeito, mas quem entra ali mal vê o painel, coberto por cabides de roupas.
Existe uma única obra do gênero em prédio público, da prefeitura do Rio, mas está fechada à visitação. É uma paisagem imaginária de Olinda feita no teto de uma residência que pertenceu ao senador Barros de Carvalho.
Guignard nunca foi a Pernambuco, mas pintou a partir de descrições feitas pelo senador, pernambucano.
A casa foi cedida pela prefeitura para que a ONU Habitat montasse uma representação no Brasil. O cômodo em que o teto foi pintado funciona como sala de reunião.
Um bom exemplo de preservação é a pintura de 1946 no teto da casa em que morou a artista plástica Leda Gontijo, em Belo Horizonte.
"Ele se ofereceu para fazê-la e, uma semana depois, chegou com malas lá em casa. Acabou morando conosco quatro meses", diz Leda.
Quando ela vendeu a residência, estipulou em contrato que o painel não poderia ser destruído. Um edifício foi erguido no local mantendo apenas o teto, que hoje é a cobertura do salão de festas do prédio.
(MARCELO BORTOLOTI)


Texto Anterior: Ferreira Gullar: O melhor que se faz é rir
Próximo Texto: Saiba mais: Museu tem acervo sobre a vida do pintor
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.