São Paulo, sexta, 6 de fevereiro de 1998

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LIVRO LANÇAMENTO
'Feliz 1958' é curioso e desapontador

DAVID DREW ZINGG
Colunista da Folha

Esse é um grande e fascinante livro; esse é um livro curioso e desapontador. Parte do problema, é claro, está nos olhos de quem lê, no caso eu.
Este escritor viu o Rio pela primeira vez em 1959, um ano depois do curto período de 1958 que o autor desse volume recheado de informações tomou por tema.
O final dos anos 50 era um período mágico para os viajantes. Este jovem repórter voou de uma Nova York frenética para a cultura estranha, assombrosa, que era o Brasil de então.
Eu bem poderia ter pousado em um planeta estranho e distante, povoado por ETs tropicais pulsando de samba e esperança em um futuro ainda intocado por problemas desagradáveis como a economia, a ditadura e as diferenças de classe.
O livro, que traz de volta à vida essa terra estranha e distante, chama-se "Feliz 1958: O Ano que Não Devia Terminar", do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos.
O Rio de Janeiro em 1958 era, para os brasileiros, o centro do mundo. Ainda era, afinal, o Distrito Federal. Senadores de ternos brancos, desacompanhados de "seguranças", fechavam acordos políticos sentados nos bancos públicos que todo mundo usava, no parque do Catete.
O único grupo organizado de invasores era o que invadia a praia de Copacabana.
O livro, na verdade, é composto por dois livros. Uma é uma coleção aparentemente infinita de curiosidades intrigantes. Há listas de listas de listas sobre tudo o que você sempre quis saber sobre o Brasil e o Rio, mas nunca teve coragem de perguntar.
A segunda parte é um texto descritivo leve, às vezes divertido, às vezes irritante. Os dois livros correm lado a lado nas páginas.
O grande defeito da obra jaz no texto central que corre paralelo às listas, muito mais dinâmicas e divertidas.
Um capítulo, por exemplo, é intitulado "Um Passeio com Carmen Mayrink Veiga". Trata-se basicamente de uma longa e cansativa narrativa em primeira pessoa sobre a vida d'Ela.
Começa modestamente: "Meu nome é Carmen Mayrink Veiga. Fui uma das dez mais elegantes de 1958 e vou contar para vocês, com a ajuda do meu álbum de recortes das colunas sociais, o que era viver na sociedade daquele ano".
Seguem-se então páginas e páginas da narrativa esbaforida de d. Carmen sobre a vida nas alturas. Eu não consegui deduzir, lendo o livro, se a narrativa foi concedida (sic) a Joaquim Ferreira dos Santos ou tirada de alguma publicação daquela época dourada.
"Feliz 1958" vem carregado de informações úteis, esclarecedoras e divertidas, mas a parte do texto poderia ter sido melhorada pela visão objetiva de um bom editor.
Joaquim Ferreira dos Santos pesquisou até a última das cópias amareladas e infestadas de cupins do "Última Hora" e do "Diário Carioca" em busca de pepitas como as que enchem essa cápsula do tempo brasileira.
É mais ou menos como ler o "Almanaque Abril" acompanhado de sua outra significante para brincadeiras depois do jantar.
Jaguar indica os garçons do ano! Descubra que carros importados estavam nas ruas! Lembre-se dos momentos do supercampeonato de 1958! Descubra as vedetes namoradas de Jango!
Se você é um caco velho como eu, e estava mesmo vivo 40 anos atrás, esse fluxo interminável de jingles de publicidade, gírias, listas de homens bem-sucedidos com as mulheres, fatos da "ginecologia moderna" é mais divertido do que tentar segurar um porco ensebado.
Por outro lado, se você é um jovem membro da turma do final de século, movida a MTV, não acredito que o livro vá desviar muito sua atenção das atividades normais lá na terra dos clubs.
Tenho uma idéia que acho que pode ser muito interessante para a editora do livro. Por que não recolhê-lo e colocar todas as listas lotadas de detalhes do que era a vida em 1958 em cartas de jogo?
Você (depois do jantar, para sua namorada): "Quero os nomes e números de todas as linhas de ônibus do Rio em 1958, começando com a 1 (Mauá - Aeroporto) e terminando com a 102 (Saenz Peña - Largo do Machado)".
Com um nome como "Master Brasil 1958", aposto que eles ganhariam R$ 1 bilhão.

Livro: Feliz 1958: o Ano que Não Devia Terminar Autor: Joaquim Ferreira dos Santos Lançamento: Record Quanto: R$ 20 (190 págs.)



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