São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008

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O livro-confusão de Francis

Chega às livrarias "Carne Viva", romance inédito de Paulo Francis que teve sua publicação adiada por mais de dez anos e sofreu modificações

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Paulo Francis na redação da Folha, em 1982; livro inédito "Carne Viva' chega às livrarias no próximo dia 15, com mudanças feitas nos originais deixados pelo autor

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Waaal... Demorou dez anos, mas finalmente ficou pronto. Chega às livrarias no próximo dia 15 o aguardado romance inédito de Paulo Francis (1930-1997), prometido há mais de uma década e que fecharia o ciclo iniciado com "Cabeça de Papel" e "Cabeça de Negro". Antes mesmo da sua publicação, "Carne Viva" já tem uma longa história. A começar pelo título, que originalmente seria "Jogando Cantos Felizes".
Aos fatos. O livro, que agora será lançado pela Landscape (editora que comprou o catálogo da editora Francis, fundada em 2002), seria publicado em 1998 pela Companhia das Letras. Antes de morrer (em 1997), Francis mostrou os originais para o editor Luiz Schwarcz, que sugeriu modificações. Segundo a jornalista Sonia Nolasco, viúva de Francis, ele não concordou com todas as mudanças.
"Concordou com a maioria, que fez à mão. A editora Francis tem cópias, e também o Luiz. Como editora do livro, eu respeitei tudo", afirma Nolasco. A versão que chega agora às livrarias, portanto, tem alterações que teriam sido decididas de comum acordo entre Francis e Schwarcz, executadas por Sonia Nolasco.
Luiz Schwarcz confirma e diz que "seria difícil avaliar se o resultado está próximo do sugerido", pois afirma que não guarda mais o original. Há um ano, Roberto Nolasco, irmão de Sonia e então responsável pela editora Francis, já planejava a publicação do livro. Disse na época que cogitava chamar amigos do jornalista para que fizessem três finais para a obra. Sonia nega enfaticamente que o livro estivesse inacabado. "Carne Viva" foi completado, totalmente, muito antes da morte do autor", afirmou à Folha.

Perda de entusiasmo
Lucas Mendes, que ancorava o programa "Manhattan Connection" (do canal pago GNT), em que Francis tinha presença marcante (participou de 1993 até sua morte), diz que "ele comentou pouco sobre o livro". "Às vezes Francis dizia que as idéias estavam jorrando como uma cachoeira, mais depressa do que conseguia escrevê-las. Mas, de repente, perdeu o entusiasmo. A Sonia Nolasco me disse que foi porque ficou emburrado com as 160 sugestões de mudança do editor", disse.
"Carne Viva" tem como personagem central Francisco Guerra, um banqueiro que freqüenta a classe alta carioca. Numa das suas estadas em Paris, ele testemunha as agitações estudantis de Maio de 68. É um momento-chave do livro, antes que o protagonista seja levado de volta ao Brasil para um balanço emocional de sua vida.
"Acho que o livro não vai trazer nenhuma luz sobre 68 em Paris", diz Mendes. "Ele estava mais interessado na burguesia brasileira do que nos estudantes nas ruas, e o livro é sobre isto. Pelo que eu entendi, essa é a parte boa do livro", afirma Lucas Mendes.
Para Caio Blinder, o "melhor inimigo" de Francis no "Manhattan Connection", o referencial "emocional" do jornalista eram os anos 50 e 60. "Ironicamente, Francis e Sartre eram companheiros de armas na condição de intelectuais engajados. Mas o francês errou muito mais, por ser "gauche" toda vida", diz Blinder.
Diogo Mainardi, atual comentarista do programa e colunista da revista "Veja", assina a orelha de "Carne Viva" dizendo que o livro é "premonitório".
"É o relato de um Brasil sem Paulo Hesse [protagonista de "Cabeça de Papel"] e sem Paulo Francis", escreve.

Projeto antigo
O livro era um projeto antigo de Francis. Na edição com suas memórias "O Afeto que se Encerra", de 1980, ele já anunciava: "Bato bola para enfrentar o último volume da trilogia romances, "Cabeça de Papel", "Cabeça de Negro", e "Cabeça" (inédito). Este vai ser trabalho maior que os anteriores". Em artigo publicado na revista "Bravo!", em janeiro de 2007, Sonia Nolasco descreveu o livro inédito como "um romance político". "Desde 1997, Europa e Brasil têm o destino que Francis previu", escreveu na revista.
Lucas Mendes conta que sempre achou os romances de Francis "muito confusos": "Aqueles "Cabeças" eu lia fazendo anotações, porque em três páginas ele já tinha citado cem autores e filósofos, e tinha personagens que se chamavam Alice Maria ou Maria Alice que apareciam na página 20, por exemplo, e reapareciam, sem maiores explicações, 70 páginas depois. De vez em quando, apareciam alguns parágrafos geniais, mas acho que [Francis] não vai ser lembrado como romancista", diz.
Agora que "Carne Viva" finalmente chega às livrarias, o próprio público de Francis vai poder tirar suas conclusões.


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