São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008 |
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O livro-confusão de Francis Chega às livrarias "Carne Viva", romance inédito de Paulo Francis que teve sua publicação adiada por mais de dez anos e sofreu modificações
MARCOS STRECKER DA REPORTAGEM LOCAL Waaal... Demorou dez anos, mas finalmente ficou pronto. Chega às livrarias no próximo dia 15 o aguardado romance inédito de Paulo Francis (1930-1997), prometido há mais de uma década e que fecharia o ciclo iniciado com "Cabeça de Papel" e "Cabeça de Negro". Antes mesmo da sua publicação, "Carne Viva" já tem uma longa história. A começar pelo título, que originalmente seria "Jogando Cantos Felizes". Aos fatos. O livro, que agora será lançado pela Landscape (editora que comprou o catálogo da editora Francis, fundada em 2002), seria publicado em 1998 pela Companhia das Letras. Antes de morrer (em 1997), Francis mostrou os originais para o editor Luiz Schwarcz, que sugeriu modificações. Segundo a jornalista Sonia Nolasco, viúva de Francis, ele não concordou com todas as mudanças. "Concordou com a maioria, que fez à mão. A editora Francis tem cópias, e também o Luiz. Como editora do livro, eu respeitei tudo", afirma Nolasco. A versão que chega agora às livrarias, portanto, tem alterações que teriam sido decididas de comum acordo entre Francis e Schwarcz, executadas por Sonia Nolasco. Luiz Schwarcz confirma e diz que "seria difícil avaliar se o resultado está próximo do sugerido", pois afirma que não guarda mais o original. Há um ano, Roberto Nolasco, irmão de Sonia e então responsável pela editora Francis, já planejava a publicação do livro. Disse na época que cogitava chamar amigos do jornalista para que fizessem três finais para a obra. Sonia nega enfaticamente que o livro estivesse inacabado. "Carne Viva" foi completado, totalmente, muito antes da morte do autor", afirmou à Folha. Perda de entusiasmo Lucas Mendes, que ancorava o programa "Manhattan Connection" (do canal pago GNT), em que Francis tinha presença marcante (participou de 1993 até sua morte), diz que "ele comentou pouco sobre o livro". "Às vezes Francis dizia que as idéias estavam jorrando como uma cachoeira, mais depressa do que conseguia escrevê-las. Mas, de repente, perdeu o entusiasmo. A Sonia Nolasco me disse que foi porque ficou emburrado com as 160 sugestões de mudança do editor", disse. "Carne Viva" tem como personagem central Francisco Guerra, um banqueiro que freqüenta a classe alta carioca. Numa das suas estadas em Paris, ele testemunha as agitações estudantis de Maio de 68. É um momento-chave do livro, antes que o protagonista seja levado de volta ao Brasil para um balanço emocional de sua vida. "Acho que o livro não vai trazer nenhuma luz sobre 68 em Paris", diz Mendes. "Ele estava mais interessado na burguesia brasileira do que nos estudantes nas ruas, e o livro é sobre isto. Pelo que eu entendi, essa é a parte boa do livro", afirma Lucas Mendes. Para Caio Blinder, o "melhor inimigo" de Francis no "Manhattan Connection", o referencial "emocional" do jornalista eram os anos 50 e 60. "Ironicamente, Francis e Sartre eram companheiros de armas na condição de intelectuais engajados. Mas o francês errou muito mais, por ser "gauche" toda vida", diz Blinder. Diogo Mainardi, atual comentarista do programa e colunista da revista "Veja", assina a orelha de "Carne Viva" dizendo que o livro é "premonitório". "É o relato de um Brasil sem Paulo Hesse [protagonista de "Cabeça de Papel"] e sem Paulo Francis", escreve. Projeto antigo O livro era um projeto antigo de Francis. Na edição com suas memórias "O Afeto que se Encerra", de 1980, ele já anunciava: "Bato bola para enfrentar o último volume da trilogia romances, "Cabeça de Papel", "Cabeça de Negro", e "Cabeça" (inédito). Este vai ser trabalho maior que os anteriores". Em artigo publicado na revista "Bravo!", em janeiro de 2007, Sonia Nolasco descreveu o livro inédito como "um romance político". "Desde 1997, Europa e Brasil têm o destino que Francis previu", escreveu na revista. Lucas Mendes conta que sempre achou os romances de Francis "muito confusos": "Aqueles "Cabeças" eu lia fazendo anotações, porque em três páginas ele já tinha citado cem autores e filósofos, e tinha personagens que se chamavam Alice Maria ou Maria Alice que apareciam na página 20, por exemplo, e reapareciam, sem maiores explicações, 70 páginas depois. De vez em quando, apareciam alguns parágrafos geniais, mas acho que [Francis] não vai ser lembrado como romancista", diz. Agora que "Carne Viva" finalmente chega às livrarias, o próprio público de Francis vai poder tirar suas conclusões. Texto Anterior: Horário nobre da TV aberta Próximo Texto: Trecho Índice |
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