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Crítica
Memórias de um esnobismo kitsch e clichê
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Jamais publicar "inéditos
maus de bons escritores
já mortos", pregava "Klaxon", revista dos modernistas
brasileiros. Quem tem simpatia
por Paulo Francis gostará de
imaginar que o jornalista teria
preferido seguir "Klaxon" e engavetar esse "Carne Viva".
O romance compõe-se de
uma série de retratos de uma
elite carioca que o autor pretende equiparar a aristocratas
de Tolstói; de gente com "dinheiro antigo" à procura de um
sentido para a "boa vida". A costura tênue do texto é a relação
triangular entre Guerra, banqueiro "charmoso", refinado
mas nada intelectual, e Bea, filha da aristocracia dedicada a
cuidar da família após romance
com o doutor em filosofia Beau.
Além de memórias sobre um
Rio mítico, os tempos do romance são maio de 68 e Brasil,
1990. Seu assunto é o elogio dos
"poucos e bons", gente "bem
nascidérrima e distinta", do
"tempo das capitanias" e suas
reações progressivamente alérgicas a esquerdismos, ecologia,
à sujeirada imigrante e à política; o elogio da família e da integridade nas relações pessoais.
Tudo isso pode ser bom material, mas o fascínio pelo exclusivismo social é de uma reverência kitsch. Não há ironia
no sonho franciscano de "suprema elegância, poder e cultura", para citar um personagem
de Paulo Emílio Salles Gomes,
um antípoda de Francis. Os tipos de "Carne Viva" são quase
sempre "insiders" acima do
bem e do mal. A caracterização
disso é bisonha, com sinais
conspícuos de riqueza e "cultura" sendo arremessados na cara
do leitor com mão pesada.
Guerra viaja a Paris num dia
de maio de 68. De manhã, ouve
de um banqueiro francês informações de coxia sobre o que
Pompidou e De Gaulle farão da
revolta. De noite, revê Bea, no
Ritz, que namora Beau, não só
um dos líderes da insurreição
como amigo de Cohn-Bendit,
de Carlos, o Chacal, e do pessoal do Baader-Meinhof, com
quem praticará terrorismo,
apesar de admirador basbaque
de Moisés, Gandhi e Tolstói. No
Ritz encontra ainda Mariazinha Vendange, aristocrata que
se tornou lésbica, caricatamente "culta e sarcástica" e cujo pai
foi amigo de Mostesquiou, que
inspirou o nobre gay Charlus
de Proust. E ature-se o "name
dropping" e citações erradas e
clichês da "sofisticação".
"Carne Viva" é narrado em
discurso indireto livre. Mas como não há modulação de tom,
expressão e idéias, quase todos
os tipos do livro parecem manifestações do esnobismo kitsch
do narrador, o que causa contrastes grotescos entre o que
são e o que dizem. Em "conversas decisivas" sobre moral e o
destino do mundo, como as filosofices trocadas por Guerra e
Beau, os personagens fazem
discursos sobre história, economia ou costumes que parecem verbetes do almanaque capivarol ou, no caso raro de discursos diretos, miniensaios
pomposos, "versões editadas"
de conversação casual que
soam cômicas de artificiais.
A série de verbetes e retratos
só tem fim com tiros e explosões, típico de Francis, mortes
que levam os personagens a
descobrir "o sentido da vida",
manifesto em frases de um melodramatismo de novelas de
TV. Grotesco? É isso mesmo.
CARNE VIVA
Autor: Paulo Francis
Editora: Francis/Landscape
Quanto: R$ 38 (264 págs.)
Avaliação: ruim
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