São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008

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NINA HORTA

Contatos imediatos de terceiro grau

Tudo leva uma erva cheirosa aqui, outra ali, uma semente jamais vista, são pingos persas

ISTO É uma crônica, não é serviço. Sabe quando você gosta muito de umas pessoas e elas te convidam para um jantar persa? Você responde alegremente que sim, antecipando a companhia, as risadas e a comida gostosa. E, quando vai chegando a hora do compromisso, começam a acontecer coisas do arco da velha. E você, para ficar mais bonita, passou óleo de coco com neem (folha de curry) no cabelo para depois lavar... E não deu tempo de lavar?
E você, que queria causar uma boa impressão aos amigos, está com cheiro de recheio de Prestígio? Mas vai assim mesmo, o cabelo colado na nuca, e se senta, encolhida, na humilhação do seu aroma coco. E daí, os que chegam, vêm beijar você... Onde? Exatamente no Prestígio.
Bom, mas tudo bem, vamos começar a ler a apostila-cardápio, e o Carlos Siffert, um dos chefs ou o chef responsável pela comida, foi chamado por escrito de a completa tradução de São Paulo. Ele e a Rita Lee. Discordo. O Carlos é Rio de Janeiro, Minas e São Paulo. E com certeza um tanto persa e indiano. Mas Rita Lee... acho que não.
Começando do começo, a Carla Pernambuco resolveu construir uma casa só para ela cozinhar. (Sonho de todo cozinheiro, acho eu.) Bem em frente ao restaurante dela, uma casinha inglesa, com escada derramada de flores, uma sala grande, tijolinhos brancos, mesa comunitária e o cozinhão junto, lindo de babar. E vai convidar gregos e troianos para fazerem jantares, numa volta ao mundo enriquecedora tanto para quem come quanto para quem cozinha (tel. 0/xx/11/ 3663-0911).
Fico feliz por o Carlos Siffert ter encontrado sua vocação nesta coisa de experimentar e ensinar, porque isto nasceu quando trabalhava comigo no bufê.
A Sílvia Poppovic me convidou para ir à TV fazer uma receita rápida, para meu pavor. Pedi ao Carlos, de joelhos, que me substituísse. Lembro até hoje que foi e deu uma receita tailandesa, de morangos com pimenta bem picadinha. Falam até hoje nessa aula. Foi um sucesso, e ele também gostou da experiência. Acho que o nosso Rita Lee não parou mais. Faz consultorias, viaja, estuda, se empenha, acabou de escrever um livro de técnicas culinárias, enfim, um azougue com aparência zen e memória de elefante.
Gostamos todos do jantar. Difícil de reproduzir os nomes, tipo kuku-e sabszi, que não passava de uma fritada de ervas simplesmente deliciosa que já vou copiar hoje mesmo. Apesar de levar como ingrediente um pouquinho de bicarbonato de ódio. Erro de digitação, é claro. Mas não seriam as emoções os principais ingredientes? Fritadinha com ódio, nem imaginam que ótima.
Depois um robalo com crosta de batatas, um molho de pistache... Tudo leva uma erva cheirosa aqui, outra ali, uma semente jamais vista, mas que não interfere no gosto principal, são pingos persas. O terceiro prato era uma bola de codorna recheada, acompanhada de um arroz de tico-tico, isto é, todo cheio de misturinhas e, confesso, bom demais. A sobremesa perfeita, um baklava jamais provado, foi o trio CCC que fez: Carla, Carlos e Carol.
Fico imaginando uma cozinha persa, o pessoal enrolado naqueles panos todos, os cheiros se destacando um do outro, mas misturados assim mesmo, numa cheirosura única, aqui uma romã, ali um cardamomo, o tamarindo azedo, o ódio!!!!, o amor, a nigella. E as rosas e a água de rosas. Muita gente, muito ingrediente, um sentimento de querer agradar ao rei, de ser amigo do rei.
E a mesa? Mais bonita não poderia ser, rosas, é claro, a louça linda e diferente, tudo se juntando para montar a perfeição naquela casinha branca e florida, contatos imediatos de terceiro grau.
Foi uma experiência e tanto e, ainda por cima, toda descrita pelo Eduardo Logullo, no cardápio, com história da comida e todas as receitas, sem tirar nem pôr.


ninahorta@uol.com.br

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