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NINA HORTA
Contatos imediatos de terceiro grau
Tudo leva uma erva cheirosa aqui, outra ali, uma semente jamais vista, são pingos persas
ISTO É uma crônica, não é serviço.
Sabe quando você gosta muito
de umas pessoas e elas te convidam para um jantar persa? Você responde alegremente que sim, antecipando a companhia, as risadas e a
comida gostosa. E, quando vai chegando a hora do compromisso, começam a acontecer coisas do arco da
velha. E você, para ficar mais bonita,
passou óleo de coco com neem (folha de curry) no cabelo para depois
lavar... E não deu tempo de lavar?
E você, que queria causar uma boa
impressão aos amigos, está com
cheiro de recheio de Prestígio? Mas
vai assim mesmo, o cabelo colado na
nuca, e se senta, encolhida, na humilhação do seu aroma coco. E daí, os
que chegam, vêm beijar você... Onde? Exatamente no Prestígio.
Bom, mas tudo bem, vamos começar a ler a apostila-cardápio, e o Carlos Siffert, um dos chefs ou o chef
responsável pela comida, foi chamado por escrito de a completa tradução de São Paulo. Ele e a Rita Lee.
Discordo. O Carlos é Rio de Janeiro,
Minas e São Paulo. E com certeza
um tanto persa e indiano. Mas Rita
Lee... acho que não.
Começando do começo, a Carla
Pernambuco resolveu construir
uma casa só para ela cozinhar. (Sonho de todo cozinheiro, acho eu.)
Bem em frente ao restaurante dela,
uma casinha inglesa, com escada
derramada de flores, uma sala grande, tijolinhos brancos, mesa comunitária e o cozinhão junto, lindo
de babar. E vai convidar gregos e
troianos para fazerem jantares,
numa volta ao mundo enriquecedora tanto para quem come quanto
para quem cozinha (tel. 0/xx/11/
3663-0911).
Fico feliz por o Carlos Siffert ter
encontrado sua vocação nesta coisa
de experimentar e ensinar, porque
isto nasceu quando trabalhava comigo no bufê.
A Sílvia Poppovic me convidou para ir à TV fazer uma receita rápida,
para meu pavor. Pedi ao Carlos, de
joelhos, que me substituísse. Lembro até hoje que foi e deu uma receita tailandesa, de morangos com pimenta bem picadinha. Falam até
hoje nessa aula. Foi um sucesso, e
ele também gostou da experiência.
Acho que o nosso Rita Lee não parou
mais. Faz consultorias, viaja, estuda,
se empenha, acabou de escrever um
livro de técnicas culinárias, enfim,
um azougue com aparência zen e
memória de elefante.
Gostamos todos do jantar. Difícil
de reproduzir os nomes, tipo kuku-e
sabszi, que não passava de uma fritada de ervas simplesmente deliciosa
que já vou copiar hoje mesmo. Apesar de levar como ingrediente um
pouquinho de bicarbonato de ódio.
Erro de digitação, é claro. Mas não
seriam as emoções os principais ingredientes? Fritadinha com ódio,
nem imaginam que ótima.
Depois um robalo com crosta de
batatas, um molho de pistache... Tudo leva uma erva cheirosa aqui,
outra ali, uma semente jamais vista,
mas que não interfere no gosto
principal, são pingos persas. O terceiro prato era uma bola de codorna
recheada, acompanhada de um
arroz de tico-tico, isto é, todo cheio
de misturinhas e, confesso, bom
demais. A sobremesa perfeita, um
baklava jamais provado, foi o trio
CCC que fez: Carla, Carlos e Carol.
Fico imaginando uma cozinha
persa, o pessoal enrolado naqueles
panos todos, os cheiros se destacando um do outro, mas misturados assim mesmo, numa cheirosura única,
aqui uma romã, ali um cardamomo,
o tamarindo azedo, o ódio!!!!, o
amor, a nigella. E as rosas e a água de
rosas. Muita gente, muito ingrediente, um sentimento de querer
agradar ao rei, de ser amigo do rei.
E a mesa? Mais bonita não poderia ser, rosas, é claro, a louça linda e
diferente, tudo se juntando para
montar a perfeição naquela casinha
branca e florida, contatos imediatos
de terceiro grau.
Foi uma experiência e tanto e, ainda por cima, toda descrita pelo
Eduardo Logullo, no cardápio, com
história da comida e todas as receitas, sem tirar nem pôr.
ninahorta@uol.com.br
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