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Crítica/ "Platero e Eu"
Jiménez evoca melancolia irônica de Bandeira em saga autobiográfica
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No livro "Meus Poemas
Preferidos", de Manuel Bandeira, publicado pouco antes de sua morte,
em 1966, o poeta seleciona, entre outros, cinco poemas do espanhol Juan Ramón Jiménez.
Não é à toa. Afinal, de quem são
essas palavras: "É terno e mimoso como um menino, como
uma menina...; mas forte e rijo
por dentro, como de pedra. (...)
Ele tem aço. Aço e, ao mesmo
tempo, prata de luar"?
De quem são as palavras e de
quem é a ternura misturada à
dureza do aço? De quem são as
reticências seguidas de ponto e
vírgula? São de Jiménez, do livro "Platero e Eu" (em nova
tradução e edição bilíngue),
mas poderiam tranquila (e ferreamente) ser de Bandeira.
É mesmo inevitável, para um
leitor brasileiro, acompanhar
as venturas e (poucas) desventuras desse estranho narrador
de Jiménez e não lembrar sempre e imediatamente da ternura, da melancolia e de uma certa ironia de Bandeira.
O narrador de "Platero e Eu"
suscita estranhamento porque
carrega muito da autobiografia
do escritor -é de Moguer, a
mesma aldeia em que o autor
nasceu; conhece Shakespeare,
Ronsard e passa o inverno com
os livros- mas é, ao mesmo
tempo, uma mistura de louco e
bobo, de barbas longas, que anda para lá e para cá montado
em cima de um burro.
Trata-se, portanto, de uma
mistura livre de autobiografia e
invenção, o que mais uma vez
nos lembra de Bandeira e mais
uma vez confirma como, em literatura, a averiguação da verossimilhança dos fatos tem
muito pouca importância.
O que importa mesmo é conhecer a infância que permanece morando nas palavras de
um escritor como Jiménez que
já em 1917 era um autor consagrado (ganhou o Nobel em
1956), a amizade que liga o protagonista a seu burrinho, o
tempo e as estações percebidas
pelo olhar de um ser que é ao
mesmo tempo burro e homem.
Nas andanças, vamos também nós aprendendo o que não
se aprende na escola, uma das
instituições condenadas pelo
narrador, junto com a igreja: as
flores e as estrelas. E só podemos então concordar com a
ideia de que os homens bons
deveriam ser chamados de asnos, os asnos maus deveriam
ser chamados de homens e que
a palavra asnografia, dicionarizada, deveria ser definida assim: "Descrição do homem imbecil que escreve dicionários".
Ao final da leitura, cíclica como as estações do ano que a
narrativa vai pintando em textos curtos, o leitor se torna
também ele um amigo de Platero e sabe, também ele, e como
sabia Manuel Bandeira, dizer o
porquê das coisas serem como
são: "Porque sim".
PLATERO E EU
Autor: Juan Ramón Jiménez
Tradução: Monica Stahel
Editora: WMF Martins Fontes
Quanto: R$ 48 (296 págs.)
Avaliação: ótimo
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