São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2000


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Livrarias recebem as entrevistas de Peter Bogdanovich com 16 cineastas de Hollywood
O homem que perguntava demais

Reprodução
Peter Bogdanovich (dir.) em uma das várias entrevistas feitas com o cineasta Alfred Hitchcock em escritório dos Universal Studios (Los Angeles), no ínício dos anos 70


SÉRGIO RIZZO
especial para a Folha

O nome dele é Peter Bogdanovich, mas podem chamá-lo de o homem que perguntava demais. A prova do crime é o livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", em que 16 cineastas de Hollywood foram submetidos à sua curiosidade insaciável sobre bastidores.
O pai, diretor de teatro, foi quem lhe disse que a melhor maneira de aprender era procurar os melhores no ramo e perguntar-lhes como trabalhavam. Bogdanovich aceitou o conselho e fez amizade com diversos mitos do cinema americano.
Deu certo. "A Última Sessão de Cinema" (71), "Esta Pequena É uma Parada" (72) e "Lua de Papel" (73) o tornaram um dos nomes quentes do cinema norte-americano. Mas o fracasso de "Muito Riso e Muita Alegria" (81) corroeu-lhe as economias e quase destruiu sua carreira.
Autor de livros sobre John Ford, Orson Welles e Fritz Lang, é um caso raro de cineasta que também escreve sobre cinema. Outros dois livros vêm aí, contou Bogdanovich em entrevista exclusiva por telefone à Folha, de Los Angeles: a íntegra das seis sessões de entrevistas que fez com Hitchcock e "Who the Devil's in It" (ou "afinal, quem atua nos filmes"), sobre atores. Seu próximo filme, "The Cat's Meow", é baseado em um crime ocorrido na África em 1924. "Essa história nunca foi contada e envolve pessoas como Charlie Chaplin, Marion Davies, William Randolph Hearst e Louella Parsons", afirmou.

Folha - Você conta no livro que John Ford e Howard Hawks ironizavam a quantidade de perguntas que fazia a eles. Os cineastas que entrevistou gostavam de conversar sobre o próprio trabalho?
Peter Bogdanovich -
Entre todos os diretores que já conheci, o que mais gostava de falar era Hitchcock. Falava horas sobre a sua técnica e como as coisas eram desenvolvidas. Na verdade, era um grande professor. Hawks não gostava tanto de conversar sobre o aspecto técnico. Preferia contar como obtinha determinada resposta dos atores. Tinha uma abordagem diferente, mais humana. Ford, bem... Ford não gostava de falar sobre nada.

Folha - Todos os diretores que entrevistou em "Afinal, Quem Faz os Filmes" acreditam na primazia da imagem. E você?
Bogdanovich -
Sim. Todos eles cresceram com o cinema mudo, em que a imagem era tudo. Ela contava sozinha a história. Originalmente, o cinema era assim. Na minha opinião, seu aspecto dominante é a imagem. Infelizmente, hoje ela não controla mais o processo. Mas os cineastas que fundaram essa arte acreditavam que a imagem representava tudo. E era uma arte única, porque não tinha nada a ver com o teatro. Tinha a ver apenas com algo chamado... cinema.

Folha - O escritor Gore Vidal afirma que os roteiristas, e não os diretores, são os verdadeiros autores de muitos filmes.
Bogdanovich -
Com o advento do som, isso se tornou frequentemente verdade. Mas a qualidade do filme em termos artísticos continua a depender da imagem. Hoje, o som tem primazia. Mas filmes, entendidos como obra de arte, não dizem respeito a isso.

Folha - Você diz no livro que a personalidade do diretor está sempre atrás de seus filmes. Como identificá-la?
Bogdanovich -
Você assiste aos filmes dele e começa a reconhecer coisas. Um interesse nos mesmos temas, por exemplo. Mas não é algo fácil. Tem a ver com as imagens e com o modo de contar a história. A personalidade de Hitchcock é uma das mais fáceis de reconhecer. John Ford também, principalmente depois de 1939. Se você assiste a muitos filmes dele, começa a perceber como foram feitos. Orson Welles é outro. No caso de Hawks, é difícil compreender pela primeira vez, porque ele fez diferentes tipos de história, trabalhou em todos os gêneros. Em um determinado momento, fica mais fácil identificar a sua personalidade.

Folha - Na década de 70, você foi sócio de Francis Coppola e William Friedkin em The Directors Company, uma produtora independente em Hollywood. Por que ela fracassou?
Bogdanovich -
Foi uma idéia muito boa, destruída pela ambição. A idéia era possibilitar que dirigíssemos o filme que bem entendêssemos, sem obter aprovação de ninguém, por até US$ 3 milhões. E que produzíssemos qualquer filme por até US$ 1,5 milhão.
Fiz dois filmes assim lá, "Lua de Papel" (73) e "Daisy Miller" (74). Francis fez um, "A Conversação" (74). O único bem-sucedido comercialmente foi "Lua de Papel". Logo depois, a companhia quebrou, basicamente porque Francis e Billy queriam levantar mais dinheiro para seus filmes do que The Directors Company poderia lhes adiantar e eles tinham como obter isso em qualquer outro lugar, para fazer coisas como "O Exorcista" (73).

Folha - Todos os grandes filmes já foram feitos?
Bogdanovich -
Sim (risos). Nós podemos aprender com eles. E tentar fazer algo bom.
O problema é que as novas gerações de cineastas se interessam cada vez menos pelo passado. Não sei se isso é verdade no Brasil, mas certamente o é neste país.


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