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O disco quebrou
Em meio ao encolhimento das vendas de CDs em escala global, as gravadoras brasileiras, pressionadas pela difusão dos formatos digitais, buscam novas fórmulas para sobreviver, entre elas a cobrança de participação na renda dos shows de seus artistas
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
O mercado fonográfico mundial encolheu 30% nos últimos
cinco anos, foi chacoalhado pela
facilidade digital de copiar discos
e viu caducarem seus métodos
habituais de fabricar sucessos. Para enfrentar a tormenta, as gravadoras brasileiras têm adotado fórmulas novas, como a taxação em
10% das bilheterias dos shows de
seus artistas.
A cobrança do dízimo ainda engatinha, mas já consta da maioria
dos contratos de artistas novos da
Sony BMG e da Universal, as duas
maiores do mercado. Os experientes estão livres da mordida.
"Se estou investindo nos artistas, nada mais justo do que ter
uma parte. Mas jamais foi cobrado", diz Alexandre Schiavo, gerente geral da Sony BMG.
Mas já se ameaçou cobrar, segundo Marcelo Pitta, empresário
de Emmerson Nogueira, um dos
artistas da gravadora que têm a
cláusula da taxação no contrato.
"Ameaçaram porque estávamos meio brigados. Eu disse: "Vão
ter que botar um fiscal lá, porque
eu não vou trazer dinheiro para
vocês'", diz Pitta, que passou a
empresariar Nogueira depois de
ele assinar, em 2001, o contrato.
"O primeiro contrato nunca é
bom para o artista, só para a gravadora. Foi o diretor jurídico de
uma delas que me disse isso."
Em caso de cobrança, Pitta diz
que recorreria à Justiça. "É cláusula abusiva. Por que [as gravadoras] têm direito de ganhar em
show se não investem em show?"
Na Universal, todos os artistas
jovens contratados a partir do final de 2004 estão aceitando cláusulas que dão à gravadora o direito de recolher parte do que eles
ganham em shows e/ou em publicidade. Estão na lista, entre outros, Isabella Taviani, Negra Li,
Jeito Moleque, Juliana Diniz e
Marjorie Estiano. "Temos argumentado que é uma necessidade
para a sobrevivência do negócio.
Ambos estamos investindo. Nos
anos dourados da indústria, não
era necessário. O que se ganhava
vendendo discos era mais do que
suficiente", afirma José Antonio
Eboli, presidente da Universal.
"E, quando eles só ganhavam
dinheiro, os artistas participavam
dos lucros? É maluquice total. Um
artista, para encarar isso, não tem
cara", diz Fagner, que nos tais
anos dourados, os 90, assinou
contratos milionários com Sony e
BMG e hoje, como muitos outros
artistas experientes, prefere gravar por conta própria e só depois
negociar com as empresas.
A Warner não respondeu se
prevê a cláusula nos seus contratos. A EMI, embora tenha sido a
primeira a adotá-la no mundo
(com Robbie Williams, em 2003),
garante que não o faz no Brasil.
"Seria legal se isso pudesse
ocorrer. Porque precisamos de
parceiros para viabilizar os produtos. Não que eu tenha interesse
em ganhar no show, mas, se ajudasse a bancar uma parte do disco, seria importante", diz Marcos
Maynard, presidente da EMI.
"Os custos da indústria aumentaram bastante. Assim, os shows e
a venda de merchandising tornaram-se novos meios de recuperar
dinheiro investido nos artistas. As
gravadoras estão dizendo: "Se nós
fazemos isso acontecer, também
queremos uma parte'", pontua o
inglês John Kennedy, presidente
da Federação Internacional da Indústria Fonográfica.
Das maiores independentes,
Biscoito Fino e Deck Disc negam
a prática, mas a segunda reconhece que pensa em experimentá-la
ao investir na carreira de Fábio
Souza, vencedor do "Fama", da
TV Globo. A ST2 afirma que, "por
enquanto", não ganha em cima
do faturamento de shows de seus
contratados. "Mas temos um projeto de montar uma divisão para
dar apoio aos nossos artistas, até
mesmo sendo os empresários deles", disse Marcelo Affonso, gerente de marketing da gravadora.
"Quase a metade da nossa receita não vem da venda de discos",
diz João Marcello Bôscoli, da Trama. "Vem de patrocínios, de
shows, do licenciamento de canções. Colocamos quatro músicas
nossas no [game] Fifa Soccer."
Digital e modismos
A taxação dos shows é conseqüência de uma crise que deixou
as gravadoras tateando às escuras
em busca de uma saída. Os executivos estão convictos de que há
um processo de substituição gradativa dos produtos físicos (CDs e
DVDs) pelos digitais, mas ainda
não sabem como suas empresas
podem manter seus lucros nesse
cenário em transformação.
"Temos que continuar investindo no artista novo. Infelizmente,
o mercado brasileiro usou e abusou das compilações, dos discos
ao vivo, e você acaba viciando o
consumidor a comprar produtos
de grandes sucessos. Depois vem
a síndrome pós-"Acústico MTV".
O artista demora muito a se recuperar", avalia Eboli, da Universal.
Esse modelo, que contribuiu
para o boom dos DVDs em 2004
(aumento de 101% em relação a
2003), está se esgotando, e não
ajuda as gravadoras no mundo
digital: como os "Ao Vivo" têm
poucas canções inéditas, não geram catálogo novo para oferecer
em download. Modismos como
foram o axé e o pagode nos anos
90 não vêm se repetindo e também não engordam o catálogo.
"Não há um gênero dominante.
O que mais tem dado resultado é a
MPB de qualidade, com Vanessa
da Mata, Marisa Monte, Maria Rita, Ana Carolina. Isso é ótimo,
porque mostra a demanda por
boa música. Mas dá muito trabalho", diz Schiavo, da Sony BMG,
referindo-se ao fato de que produzir um disco de uma dessas
cantoras é muito mais caro do que
fabricar um grupo descartável.
O discurso antipirataria continua, mas sem a cólera de outros
tempos. Afinal, já se sabe que a
hegemonia do meio digital é um
horizonte inevitável e que se pode
ganhar dinheiro na internet.
O quadro atual é o avesso sombrio da década passada, quando
as gravadoras promoviam festas
nababescas, fretavam aviões para
levar convidados a shows e davam com freqüência adiantamentos a artistas entre US$ 1 milhão e
US$ 2 milhões. Graças, principalmente, à equiparação do real ao
dólar a partir de 94, as vendas aumentaram em 225% entre 92 e 97.
"[As gravadoras] abusaram.
Hoje os artistas e empresários estão cientes da situação e têm sido
parceiros", diz Eboli. A taxação
dos shows é uma das "parcerias".
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