|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cinema/estréia
Longa "Caixa Doi$" é "comédia moral" sobre o país
Bruno Barreto, diretor do filme, que chega hoje a 154 salas, afirma que "o Brasil confunde tolerância com impunidade"
Filme flagra o presidente do fictício banco Federal em atos de corrupção; diretor autoriza paralelo com fatos recentes da política nacional
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O tema do longa "Caixa
Doi$", que estréia hoje em 154
cinemas no país, é "eterno e
universal -o conflito entre a
ética e a oportunidade", nota
seu diretor, Bruno Barreto.
Porém "apenas no Brasil ele
poderia ser uma comédia, protagonizada por um canalha irresistível", diz o cineasta, apontando o que seria a particularidade do país no modo de lidar
com o dilema moral retratado
no longa -a chance de enriquecer por meio de corrupção.
"A especificidade do brasileiro é a falta de culpa; e culpa é limite. O Brasil confunde tolerância com impunidade", diz.
"Caixa Doi$" é uma adaptação de texto teatral homônimo
escrito por Juca de Oliveira em
1994 e encenado com grande
sucesso (esteve seis anos em
cartaz). Barreto diz que não foi
preciso atualizá-lo.
O diretor quis evitar em seu
filme a característica da piada
(datada e efêmera) e continuar
fiel ao estilo da "comédia de situação", que já explorou outras
vezes, incluindo o fenômeno
"Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976), que permanece
sendo o filme brasileiro de
maior bilheteria -cerca de 10
milhões de ingressos.
Na entrevista a seguir, Barreto conta que "você não aprende
nada com o sucesso e, quando
tem sucesso jovem, desaprende". Carioca radicado em São
Paulo depois de longa temporada vivendo em Nova York, o diretor fala, na entrevista a seguir, sobre sua atual cidade, que
reúne "o melhor e o pior do
Brasil", um "país frustrante, assistencialista e não meritocrático". Acompanhe.
FOLHA - Com "Bossa Nova" (2000),
você fez um filme apaixonado pelo
Rio de Janeiro. "Caixa Doi$" ressalta
as contradições de São Paulo. É a cidade que impõe distanciamento e
pede um olhar mais crítico?
BRUNO BARRETO - Toda cidade
pode ter um olhar amoroso e
um olhar crítico. Não existe
amor sem crítica. Acho São
Paulo fascinante. As suas contradições me encantam muito.
As pessoas gostam de dizer que
São Paulo é a Nova York brasileira. Tem a energia de Nova
York, mas tem também um lado Dallas -cafona, que gosta de
ostentar. A ostentação é cafona
e, ao mesmo tempo, cinematográfica. Mas São Paulo é também uma ilha de capitalismo no
Brasil, porque São Paulo é capitalista; o Brasil, não.
FOLHA - Em relação ao Brasil, "Caixa Doi$" tem um olhar ácido e traz o
presidente de um banco chamado
Federal envolvido em corrupção que
finge não saber das distorções que
ocorrem em seu banco. Você autoriza um paralelo com os fatos recentes da política brasileira e com o governo Lula?
BARRETO - Autorizo totalmente
um paralelo com os fatos recentes da política brasileira.
Não vou esconder a intenção de
usar o momento para falar desse assunto. Fiz muita questão
de fazer um filme oportuno,
mas não oportunista.
Descobri o texto de "Caixa
Doi$" em 1995, no auge do
mensalão. Vi que era uma peça
escrita em 1994 que está tão
atual que não precisava ser
atualizada. Eu queria usar esse
momento para falar de um conflito que é eterno e universal, o
conflito entre ética e circunstância. Queria botar o dedo na
ferida, mas com humor. O filme
é uma comédia moral.
FOLHA - Se o conflito entre ética e
circunstância é universal, qual a particularidade do caso brasileiro, ao
qual "Caixa Doi$" se dedica?
BARRETO - A corrupção existe
no mundo inteiro. O que faz o
momento que a gente vive no
Brasil diferente é a confusão
extremamente perversa entre
tolerância e impunidade.
A especificidade do caso brasileiro é a falta de culpa. Culpa,
em termos freudianos, é limite.
Existe uma grande falta de superego no Brasil. A classe dominante no Brasil é muito condescendente consigo mesma. Os
princípios são muito maleáveis.
Isso é perverso para a nossa
evolução como sociedade.
Seria muito difícil contar essa história em outro país em
forma de comédia. Só é possível
fazer uma comédia porque ela
se passa no Brasil.
FOLHA - Foi também com uma comédia, "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976), que você fez o maior
sucesso popular do cinema brasileiro, quando estava na casa dos 20
anos e sendo filho do maior produtor do país, Luiz Carlos Barreto. Hoje,
você é um cineasta visto com certa
implicância da crítica. O sucesso inicial foi uma maldição para o futuro?
BARRETO - Não. O sucesso foi
ótimo, mas não foi fácil. Você
não aprende nada com o sucesso. E, quando tem sucesso jovem, você desaprende, esquece
certas coisas básicas.
FOLHA - Por exemplo?
BARRETO - Por exemplo, humildade, deixar a bola baixa.
FOLHA - "Caixa Doi$" traz novamente Giovanna Antonelli, revelada
em "Bossa Nova", que é hoje uma
estrela de TV. O "star system" brasileiro, que é próprio da TV, reduz o leque de escolhas dos cineastas?
BARRETO - O problema do "star
system" não é um suposto excesso de exposição na TV. O
problema é você ficar sabendo
muito da vida particular das estrelas e isso acabar se interpondo entre personagem e público.
Texto Anterior: Carlos Heitor Cony: O milagre da banana Próximo Texto: Crítica/"Caixa Doi$": Chanchada sobre capital escorrega em crítica contra elite brasileira Índice
|