São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2007

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Cinema/estréia

Longa "Caixa Doi$" é "comédia moral" sobre o país

Bruno Barreto, diretor do filme, que chega hoje a 154 salas, afirma que "o Brasil confunde tolerância com impunidade"

Filme flagra o presidente do fictício banco Federal em atos de corrupção; diretor autoriza paralelo com fatos recentes da política nacional


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O tema do longa "Caixa Doi$", que estréia hoje em 154 cinemas no país, é "eterno e universal -o conflito entre a ética e a oportunidade", nota seu diretor, Bruno Barreto.
Porém "apenas no Brasil ele poderia ser uma comédia, protagonizada por um canalha irresistível", diz o cineasta, apontando o que seria a particularidade do país no modo de lidar com o dilema moral retratado no longa -a chance de enriquecer por meio de corrupção.
"A especificidade do brasileiro é a falta de culpa; e culpa é limite. O Brasil confunde tolerância com impunidade", diz.
"Caixa Doi$" é uma adaptação de texto teatral homônimo escrito por Juca de Oliveira em 1994 e encenado com grande sucesso (esteve seis anos em cartaz). Barreto diz que não foi preciso atualizá-lo.
O diretor quis evitar em seu filme a característica da piada (datada e efêmera) e continuar fiel ao estilo da "comédia de situação", que já explorou outras vezes, incluindo o fenômeno "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976), que permanece sendo o filme brasileiro de maior bilheteria -cerca de 10 milhões de ingressos.
Na entrevista a seguir, Barreto conta que "você não aprende nada com o sucesso e, quando tem sucesso jovem, desaprende". Carioca radicado em São Paulo depois de longa temporada vivendo em Nova York, o diretor fala, na entrevista a seguir, sobre sua atual cidade, que reúne "o melhor e o pior do Brasil", um "país frustrante, assistencialista e não meritocrático". Acompanhe.

 

FOLHA - Com "Bossa Nova" (2000), você fez um filme apaixonado pelo Rio de Janeiro. "Caixa Doi$" ressalta as contradições de São Paulo. É a cidade que impõe distanciamento e pede um olhar mais crítico?
BRUNO BARRETO -
Toda cidade pode ter um olhar amoroso e um olhar crítico. Não existe amor sem crítica. Acho São Paulo fascinante. As suas contradições me encantam muito. As pessoas gostam de dizer que São Paulo é a Nova York brasileira. Tem a energia de Nova York, mas tem também um lado Dallas -cafona, que gosta de ostentar. A ostentação é cafona e, ao mesmo tempo, cinematográfica. Mas São Paulo é também uma ilha de capitalismo no Brasil, porque São Paulo é capitalista; o Brasil, não.

FOLHA - Em relação ao Brasil, "Caixa Doi$" tem um olhar ácido e traz o presidente de um banco chamado Federal envolvido em corrupção que finge não saber das distorções que ocorrem em seu banco. Você autoriza um paralelo com os fatos recentes da política brasileira e com o governo Lula?
BARRETO -
Autorizo totalmente um paralelo com os fatos recentes da política brasileira. Não vou esconder a intenção de usar o momento para falar desse assunto. Fiz muita questão de fazer um filme oportuno, mas não oportunista.
Descobri o texto de "Caixa Doi$" em 1995, no auge do mensalão. Vi que era uma peça escrita em 1994 que está tão atual que não precisava ser atualizada. Eu queria usar esse momento para falar de um conflito que é eterno e universal, o conflito entre ética e circunstância. Queria botar o dedo na ferida, mas com humor. O filme é uma comédia moral.

FOLHA - Se o conflito entre ética e circunstância é universal, qual a particularidade do caso brasileiro, ao qual "Caixa Doi$" se dedica?
BARRETO -
A corrupção existe no mundo inteiro. O que faz o momento que a gente vive no Brasil diferente é a confusão extremamente perversa entre tolerância e impunidade. A especificidade do caso brasileiro é a falta de culpa. Culpa, em termos freudianos, é limite.
Existe uma grande falta de superego no Brasil. A classe dominante no Brasil é muito condescendente consigo mesma. Os princípios são muito maleáveis. Isso é perverso para a nossa evolução como sociedade.
Seria muito difícil contar essa história em outro país em forma de comédia. Só é possível fazer uma comédia porque ela se passa no Brasil.

FOLHA - Foi também com uma comédia, "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976), que você fez o maior sucesso popular do cinema brasileiro, quando estava na casa dos 20 anos e sendo filho do maior produtor do país, Luiz Carlos Barreto. Hoje, você é um cineasta visto com certa implicância da crítica. O sucesso inicial foi uma maldição para o futuro?
BARRETO -
Não. O sucesso foi ótimo, mas não foi fácil. Você não aprende nada com o sucesso. E, quando tem sucesso jovem, você desaprende, esquece certas coisas básicas.

FOLHA - Por exemplo?
BARRETO -
Por exemplo, humildade, deixar a bola baixa.

FOLHA - "Caixa Doi$" traz novamente Giovanna Antonelli, revelada em "Bossa Nova", que é hoje uma estrela de TV. O "star system" brasileiro, que é próprio da TV, reduz o leque de escolhas dos cineastas?
BARRETO -
O problema do "star system" não é um suposto excesso de exposição na TV. O problema é você ficar sabendo muito da vida particular das estrelas e isso acabar se interpondo entre personagem e público.


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