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CRÍTICA
Há beleza em canções não-assoviáveis
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
"Carioca" dá razão a
quem diz que Chico
Buarque não faz músicas como
no passado -os sambas contagiantes, as canções de amor
rasgado, as construções políticas. Mas isso não é um defeito.
Depois que passou a alternar
períodos dedicados à música
com outros voltados para a literatura, ele reforçou características que não eram predominantes em sua obra e que são,
digamos, menos radiofônicas.
Uma das características é a
assimetria das melodias e dos
arranjos. "Outros Sonhos" é
um fox temperado com o acordeom nordestino de Dominguinhos. "Ode aos Ratos" é um
xote com programação eletrônica. "Porque Era Ela, Porque
Era Eu" é uma valsa de notas
longas antecedida pelo vigor à
Argentina do par cello-bandoneón. "Bolero Blues" -melodia de Jorge Helder que Chico
quis letrar por achá-la iletrável
- tem os dois gêneros do título, além de fado, choro e curvas
inclassificáveis.
As letras mudaram também,
pois Chico nunca fez letra antes
de melodia, esta sempre gerando aquela. Recorrentes na sua
produção recente ("Outra Noite", "Sonhos Sonhos São", "A
Moça do Sonho"), os sonhos
voltam na linda "Outros Sonhos", que tem suscitado pudica polêmica por insinuar a liberação das drogas: "Maconha só
se comprava/ Na tabacaria/
Drogas na drogaria".
Também é onírico o clima de
"Imagina", uma das mais belas
parcerias de Tom e Chico, agora gravada em dueto com uma
Mônica Salmaso impecável.
E, se não está exatamente sonhando, é um observador algo
distanciado, como um narrador de romance ou um amante
sem desespero, que mira as
mulheres nas letras em que há
uma "ela". São as divas de cinema que excitavam o adolescente Chico em "As Atrizes"; a moça que se faz de diva, flertando
sem se entregar, em "Ela Faz
Cinema"; a musa inalcançável
no tempo e no espaço em "Bolero Blues"; a mulher que ofusca tudo à volta quando sai do
mar em "Renata Maria".
Em "Subúrbio", a música
mais afinada com o título do
CD, assimetria e distância estão
confirmadas: em meio a um
suave choro-canção, Chico clama: "Dança teu funk, o rock/
forró, pagode, reggae/ Teu hip
hop/ Fala na língua do rap".
Mas ele reconhece que os bairros cariocas que cita não são o
seu habitat: "Lá não tem brisa/
Não tem verde-azuis"; "Lá não
tem claro-escuro/ A luz é dura/
A chapa é quente".
O Rio perpassa outras faixas,
como o samba "Dura na Queda", enfezado como Elza Soares, para quem foi feito. Ou
"Leve", bolero de verão em que
dor e amor rimam sob o sol carioca. Ou, ainda, "Ela Faz Cinema", deliciosa bossa nova que,
não por acaso, remete aos sambas dos anos 60 de Chico.
Como já não havia em "As
Cidades", não há um clássico
instantâneo em "Carioca". Há
12 músicas de alto nível, que,
salvo uma ou outra exceção,
não são facilmente assoviáveis,
mas que exalam beleza e inteligência a cada audição. Quem te
viu, quem te vê? Não. Chico
continua muito bem e em movimento.
Carioca
Artista: Chico Buarque
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 40 e R$ 60 (CD + DVD)
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