São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2010

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Retrato do artista quando velho

Ator goiano de 26 anos desponta com capacidade de transform ação no palco

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Lee Thalor como Policarpo na peça de Antunes Filho

GUSTAVO FIORATTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Na primeira vez em que o goiano Lee Thalor, 26, fez teste para entrar no Centro de Pesquisa Teatral -o CPT de Antunes Filho-, em 2002, disseram-lhe "não". Estavam à procura de pessoas mais velhas.
Dois anos se passaram, e ele voltou a se inscrever. Foi admitido, ficou um ano entre coadjuvantes e, enfim, passou a emplacar uma série de protagonistas que, ironia do destino, estão quase sempre 20 e poucos anos à frente de sua faixa etária.
Seu nome incomum mistura um personagem do filme "Planeta dos Macacos" e uma homenagem ao ator Lee Majors.
A capacidade de envelhecer em cena, ou de incorporar os personagens masculinos que têm despontado ao primeiro plano das peças de Antunes, tornaram-se marca de seu trabalho. Hoje, Thalor interpreta o protagonista de "Policarpo Quaresma", um sujeito de 46 anos que, levado ao palco, aparenta ser ainda mais velho.
O personagem mantém um cavanhaque à Visconde de Sabugosa, a voz grave e volumosa, os joelhos sempre um pouco dobrados para caminhar.
Além do desafio de incorporar trejeitos da idade, ainda pesa o conflito de um sujeito que, em duas horas de espetáculo, é jogado contra sua ingenuidade. Um conflito psicológico que poucos dão conta de expressar.
Fora de cena, tem cara de garoto e os olhos expressivos, puxados e arregalados como os de um chinês que levou um susto.
Deixar essa jovem (e forte) aparência de lado, para ele, é um trabalho de minúcia. Para compor seu Policarpo, recorreu a fontes inúmeras, cozinhando numa mesma receita os personagens Cândido, de Voltaire, o Idiota, de Dostoiévski, muitos papéis de Chaplin e também o imperador Hiroíto, que o ator Issey Ogata interpreta no filme "Sol", de Sokúrov.
Mais difícil do que essa composição foi fazer a do Misael, de "Senhora dos Afogados", que tem entre 50 e 60 anos. Durante os ensaios, Thalor foi três vezes à sala de Antunes, procurou sua expressão mais séria, sentou-se e disse: "Escuta, Antunes, não vou conseguir. Já no meu segundo trabalho você vai liquidar com a minha carreira".
Antunes é duro na queda. E Thalor teve de fazer o papel.
O jeito foi passar horas a fio assistindo à TV Senado, para pegar emprestado de políticos um jeito próprio de lidar com situações que, na peça, deságuam em tragédia familiar. Detalhe que, no elenco, ele era mais jovem inclusive do que os atores que interpretavam seus dois filhos e sua mulher.
A relação com Antunes é parecida com a de outros talentos que passaram por lá, como Luís Melo, Giulia Gam, Samantha Monteiro e Juliana Galdino.
Thalor refere-se a Antunes como mestre e compreende os acessos de raiva do diretor durante ensaios, que estão diminuindo conforme ele envelhece. "O Antunes só quer que a gente faça um bom trabalho."
Hoje, o ator ri do susto que tomou quando o diretor atirou -"sem a intenção de acertar"- um banco em sua direção, tentando arrancar uma expressão que ele não conseguia alcançar.


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