São Paulo, sexta-feira, 06 de maio de 2011

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OPINIÃO DRAMA

Cinema nu de Jabor celebra a humanidade

Longa "A Suprema Felicidade" é fatalista, mas romântico, e tem a narrativa de um "romance de formação"

Divulgação
Os atores Marco Nanini e Caio Manhente em cena do filme

GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cuido de minha peça "Throats", em Londres, e lançarei em breve meu livro "Nada Prova Nada" no Brasil. Em tudo o que faço, ouço: "Por que isso, por que aquilo?". Querem explicações, como se o todo fosse uma soma das partes e as coisas tivessem sentido único. Logo agora que o trágico retornou?
Falo isso porque um amigo me mandou um DVD de "A Suprema Felicidade", de Arnaldo Jabor, que será lançado neste mês. E, pelo que li, vi que a mesma pergunta ficou: "O que quis dizer?". Vi e entendi que o que confundiu muita gente é que ele vagueia entre gêneros, da chanchada musical à navalha da tragédia.
O filme é fatalista, realista e romântico e tem a narrativa minuciosa de um "romance de formação". Nossa! Ver uma boneca de pano, sobrevivente dos campos de concentração, vinda da Segunda Guerra, terminar seus dias no Rio como um trapo. Isso não é para qualquer estômago.
"Warum bist Du so traurich mein Kind?" (por que está tão triste, minha criança?), pergunta a eterna Elke Maravilha. Por que somos tão tristes em nossas supremas felicidades e não conseguimos lidar com a inevitável morte?
"Finitude" e sexualidade seriam os temas centrais desse belo filme, em que pequenas coisas podem se tornar grandes símbolos. Como o garoto que se mutila ao rezar, como as sacanagens fellinianas e carioquíssimas.
O filme do Jabor celebra a humanidade (com todos os defeitos) como "num parque temático da espécie". Claro que é irônico, mas romântico, porque resta "uma fresta de esperança".
Nele, vivemos o sexo dos anos 50, como mistério entre a medicina e o pecado. "O vicio solitário é feito Hitler, vocês matam nações inteiras quando se masturbam", diz um padre a adolescentes.
Sim, tem muito cu, muito peito, muita anomalia física e biológica aqui. Como nos campos de extermínio, como em "Toda Nudez Será Castigada". E aqui, mais uma vez, ela é, de fato, castigada pelo eterno macho que trata a mulher mais ou menos como a boneca rasgada do início.
"Eu e os campos nunca mudaremos", diz Dan Stulbach. O "insubstituível eu" da religião, da ideia que fazemos de Deus e de nós. Aí aparece o céu dentro do céu -Marco Nanini talvez no seu melhor papel: o avô tira o menino do mundo das traições cotidianas e o transforma num solo de trombone, num grupo de chorinho, supremamente triste, supremamente feliz e belo.
"A Suprema Felicidade" não precisa (nem deve) ser visto como meta-cinema, metalinguagem. Melhor vê-lo meta-metendo mesmo. O cinema nu de Jabor.
Ele une "craft" com Kraft (força) num cinema de paixão e morte, numa sonata-fantasma, numa passagem alegórica do tempo onde o aristotelismo leva uma sacaneada. Como se Miles Davis, de costas, nos berrasse: "No começo, é sempre bom. No meio, é medíocre e, no fim, é a tristeza do que passou".

GERALD THOMAS é diretor e autor teatral.

A SUPREMA FELICIDADE

DISTRIBUIÇÃO Paramount Pictures
QUANTO R$ 29,90, em média
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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