São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002

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COMIDINHAS DA COPA

Horário dos jogos cria novos hábitos alimentares

Macarrão e pipoca driblam fome

LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Começou! A Copa está esquentando, o clima nem tanto. Ao lado do futebol, dá para fazer uma pesquisa sobre a comida tornada portátil e sobre os nossos hábitos alimentares na frente da TV.
A comida foi comprimida, liofilizada, compactada. Mas, felizmente, a promessa de uma "pílula de astronauta" não se cumpriu. Ainda temos que mastigá-la e gostamos de fazê-lo. Principalmente no frio do inverno e nos horários pouco amigáveis dos jogos, quando precisamos mais desta culinária móvel, para usar ali, no meio da adrenalina, entornando no sofá na hora dos esperados gols. Então é hora de dependurar o avental de gourmet e atacar de baixa gastronomia.
Ricardo Moreira, chef de um bufê, sugere, com bom senso, uma concentração em coisas prontas para consumo imediato, "pipoca, pão de queijo, azeitonas, mistura de nozes picantes, tremoços e qualquer outra coisa que não exija grandes produções culinárias". Ou "uns churros com chocolate, para um pique de energia na madrugada", brinca.
O artista plástico Luiz Paulo Baravelli elabora um "menu temático: lasanha de frango -se o Marcos tomar um gol feio-, perna-de-moça com pipoca -se a turma fugir da dividida-, aspargo cozido com purê mole -se Ronaldo decepcionar".
A regra é algo que vá com futebol e TV -cultura pop alimentar. E o que combina mais com isso do que pipoca? A mais tradicional forma de "trash food", que está conosco há mais de 2.000 anos. Alan Davidson conta no "Oxford Companion to Food" que grãos do milho foram achados em tumbas milenares no Novo México. Colocados em óleo quente ainda estouraram normalmente, com sua capacidade "pipocante" intacta. O que o livro não conta é se alguém se aventurou a comer as pipoquinhas... A professora de nutrição da USP Midori Ishii defende: "É um dos poucos cereais que comemos integralmente, a casca fica por dentro quando estoura, o sabugo é debulhado e todo o resto é consumido".
Dos vários tipos de pipocas para microondas disponíveis no mercado e que foram experimentados por este repórter, salvou-se a de sabor natural. A de bacon é assustadora só de pensar, tem gosto de pneu queimado. A de manteiga deixa tudo para sempre com aquele cheiro, o forno de microondas, as mãos, o controle remoto da TV... tem um fixador mais forte que qualquer perfume.
Outra sugestão são as sopas e macarrões desidratados, mas contra os quais há uma justa carga de preconceito. O caldo pronto é um horror supremo para os foodies, têm gosto padrão, conhecido também como "de pacote".
Provados os produtos disponíveis no mercado, uma vasta escolha que envolve coisas como "sabor stroganov" e "sabor cheddar", salvam-se alguns macarrões instantâneos. É bom tomá-los quentes -mas em que predomina mesmo o sal. Entre as sopas instantâneas, os sabores milho, mandioquinha e brócolis foram satisfatórios e tampouco precisam de panela no fogão: é só colocar água fervendo na xícara com o pó dentro.
E chiclete? Será comida? Chiclete é simbólico: tem sabor, tem o ato de mastigar, uma forma de comer sem se alimentar realmente, o simulacro da refeição, o automatismo. Por que não lançam chicletes gourmet? Sabores salmão, trufas brancas do Piemonte, caviar beluga... Chiclete de confit de canard... Uma forma moderníssima de alimentação sem alimento e que ainda é antiestresse. E com os chicletes também vencem os convencionais, mas há um curioso de sabor almíscar, vendido em lojas árabes, e de omeboshi, uma ameixa azeda japonesa.

Mingau de aveia
Brincadeiras à parte, talvez esse seja mesmo o melhor companheiro na tensão do futebol.
Ou como resumiu o DJ André Juliani, perguntado sobre o que estava comendo durante a Copa, após o jogo Brasil e Turquia: "Unhas", respondeu.
Mas mesmo o horário ingrato não fez com que alguns aderissem à baixa gastronomia. "Copa? Frutos e raízes, grãos e folhas...", disse a modelo top Marina Dias. E para a artista plástica Helena Pessoa: "Um prato de mingau de aveia".



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