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COMIDINHAS DA COPA
Horário dos jogos cria novos hábitos alimentares
Macarrão e pipoca driblam fome
LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Começou! A Copa está esquentando, o clima nem tanto. Ao lado
do futebol, dá para fazer uma pesquisa sobre a comida tornada
portátil e sobre os nossos hábitos
alimentares na frente da TV.
A comida foi comprimida, liofilizada, compactada. Mas, felizmente, a promessa de uma "pílula
de astronauta" não se cumpriu.
Ainda temos que mastigá-la e
gostamos de fazê-lo. Principalmente no frio do inverno e nos
horários pouco amigáveis dos jogos, quando precisamos mais
desta culinária móvel, para usar
ali, no meio da adrenalina, entornando no sofá na hora dos esperados gols. Então é hora de dependurar o avental de gourmet e atacar de baixa gastronomia.
Ricardo Moreira, chef de um
bufê, sugere, com bom senso,
uma concentração em coisas
prontas para consumo imediato,
"pipoca, pão de queijo, azeitonas,
mistura de nozes picantes, tremoços e qualquer outra coisa que
não exija grandes produções culinárias". Ou "uns churros com
chocolate, para um pique de energia na madrugada", brinca.
O artista plástico Luiz Paulo Baravelli elabora um "menu temático: lasanha de frango -se o Marcos tomar um gol feio-, perna-de-moça com pipoca -se a turma fugir da dividida-, aspargo
cozido com purê mole -se Ronaldo decepcionar".
A regra é algo que vá com futebol e TV -cultura pop alimentar.
E o que combina mais com isso
do que pipoca? A mais tradicional
forma de "trash food", que está
conosco há mais de 2.000 anos.
Alan Davidson conta no "Oxford
Companion to Food" que grãos
do milho foram achados em tumbas milenares no Novo México.
Colocados em óleo quente ainda
estouraram normalmente, com
sua capacidade "pipocante" intacta. O que o livro não conta é se
alguém se aventurou a comer as
pipoquinhas... A professora de
nutrição da USP Midori Ishii defende: "É um dos poucos cereais
que comemos integralmente, a
casca fica por dentro quando estoura, o sabugo é debulhado e todo o resto é consumido".
Dos vários tipos de pipocas para
microondas disponíveis no mercado e que foram experimentados
por este repórter, salvou-se a de
sabor natural. A de bacon é assustadora só de pensar, tem gosto de
pneu queimado. A de manteiga
deixa tudo para sempre com
aquele cheiro, o forno de microondas, as mãos, o controle remoto da TV... tem um fixador
mais forte que qualquer perfume.
Outra sugestão são as sopas e
macarrões desidratados, mas
contra os quais há uma justa carga
de preconceito. O caldo pronto é
um horror supremo para os foodies, têm gosto padrão, conhecido
também como "de pacote".
Provados os produtos disponíveis no mercado, uma vasta escolha que envolve coisas como "sabor stroganov" e "sabor cheddar", salvam-se alguns macarrões
instantâneos. É bom tomá-los
quentes -mas em que predomina mesmo o sal. Entre as sopas
instantâneas, os sabores milho,
mandioquinha e brócolis foram
satisfatórios e tampouco precisam de panela no fogão: é só colocar água fervendo na xícara com o
pó dentro.
E chiclete? Será comida? Chiclete é simbólico: tem sabor, tem o
ato de mastigar, uma forma de comer sem se alimentar realmente,
o simulacro da refeição, o automatismo. Por que não lançam
chicletes gourmet? Sabores salmão, trufas brancas do Piemonte,
caviar beluga... Chiclete de confit
de canard... Uma forma moderníssima de alimentação sem alimento e que ainda é antiestresse.
E com os chicletes também vencem os convencionais, mas há um
curioso de sabor almíscar, vendido em lojas árabes, e de omeboshi, uma ameixa azeda japonesa.
Mingau de aveia
Brincadeiras à parte, talvez esse
seja mesmo o melhor companheiro na tensão do futebol.
Ou como resumiu o DJ André
Juliani, perguntado sobre o que
estava comendo durante a Copa,
após o jogo Brasil e Turquia:
"Unhas", respondeu.
Mas mesmo o horário ingrato
não fez com que alguns aderissem
à baixa gastronomia. "Copa? Frutos e raízes, grãos e folhas...", disse
a modelo top Marina Dias. E para
a artista plástica Helena Pessoa:
"Um prato de mingau de aveia".
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