São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
Pouco antes das 12h, funcionários comem um picadão à base de dendê


A dança dos pratos

Por meio de um microfone, a chef uruguaia Clo Dimet "canta" os pedidos dos fregueses para uma equipe de cerca de 30 funcionários que trabalham distribuídos numa espécie de linha de montagem. De luvas, alguns cuidam das carnes, outros de acompanhamentos, e um terceiro grupo coloca as saladas nos pratos, que têm de estar prontos em, no máximo, 25 minutos. São nove da noite, horário de pico do A Figueira Rubaiyat, restaurante de alto padrão de São Paulo, onde a coluna passou um dia inteiro, do primeiro ao último cliente.

Nos momentos mais agitados de uma cozinha desse porte, chega-se a fazer até 150 pratos ao mesmo tempo. "Vejam se a mesa 34 está OK", ordena Clo. "Cadê a picanha da 63?", grita. Ela diz sentir frio na barriga sempre que lembra da vez em que deixou uma mesa esperando uma hora por um peixe, que um cozinheiro esqueceu de colocar no forno.

 

No ano passado, um freguês foi comemorar aniversário no restaurante, e o bolo sumiu. "Pedi que um garçom o descrevesse, assei e confeitei outro igualzinho", conta. O bolo só foi achado horas depois, na despensa de legumes.
 

No salão, como na cozinha, também vale a máxima de que o freguês tem sempre razão. Sobretudo porque os fregueses em questão podem chegar a gastar, numa só noite, até R$ 15 mil por mesa. Foi o que aconteceu no último GP de Fórmula 1, quando nove funcionários da escuderia britânica Williams estiveram no restaurante para jantar. A festa, porém, foi dos garçons: a gorjeta deixada pelos ingleses foi de 30% do valor da conta -quase R$ 5.000.
 

De olho nas gorjetas polpudas, os garçons circulam atentos a tudo. Nem sempre conseguiram evitar, no entanto, que malandros roubassem as bolsas das clientes -problema resolvido com o uso de um lacre que as prende às cadeiras. Três funcionários munidos de spray antimanchas e talco socorrem os que derrubam comida na roupa. Um dos clientes certa vez pediu um Baby Pork, leitão assado. Não tinha, e o jeito foi buscar o prato de táxi no outro restaurante da rede, na Faria Lima.
 

Um vinho num restaurante dos Jardins pode custar R$ 2.300 a garrafa, caso do francês Chateaux Margaux. Eles vêm também do Líbano, Nova Zelândia, Espanha e Portugal.

A rotina de um restaurante do tamanho do Rubaiyat -que comporta quase 500 pessoas- começa bem cedo. Entre 7h e 8h, uma equipe recebe mercadorias como ostras de Santa Catarina e do litoral paulista, analisadas por nutricionistas. Daniela Cotrim, uma delas, diz que já devolveu um lote com mais de cem ostras que tinham vindo num carro com temperatura fora do padrão (entre 4C e 7C).
 

Parte das mil ostras que o restaurante vende por mês, aliás, vai para o lixo. São as que ficam num mostruário de gelo, montado todos os dias pelo "oysterman" ("oyster" quer dizer ostra em inglês) Wellington Narciso, 26, um chef que só cuida das ostras. A temperatura de 0C mata o molusco, abrindo caminho para a reprodução de bactérias.
 

Às 9h uma equipe limpa todo o restaurante, inclusive a figueira centenária que lhe dá nome. Só de manutenção da árvore -que é borrifada com citronela- são gastos R$ 15 mil mensais. Numa câmara, começa a preparação dos couverts e o corte das carnes. Terminada a limpeza, os garçons põem as mesas para o almoço, que começa às 12h.

Às 11h30, os funcionários ocupam as mesas do restaurante. É hora do picadão. Os pedaços de picanha e filé que têm nervos não podem ir para o prato do cliente, mas viram um ensopado com muito dendê, acompanhado de arroz, feijão e farofa. A descrição não é animadora, mas o cheiro da comida, sim. "Muitos deles são nordestinos e adoram esse molho", conta Ana Iglesias, mulher de Belarmino Iglesias Filho, dono do lugar.
 

Ana reveza-se com o marido no cuidado com o restaurante. Ela na hora do almoço, ele na do jantar. Alta e bonita, conta que já ouviu gracinhas de clientes. Belarmino também. "Outro dia vieram me perguntar quem era aquela morena gostosa, apontando para a Ana", diz ele. Cliente é cliente, e Berlarmino tenta resolver esse tipo de problema na base da diplomacia.
 

É o que faz também a recepcionista Deborah Albuquerque, 25. "Outro dia um cliente me ofereceu dinheiro para que eu o colocasse sentado perto da Malu Mader", conta ela. O assédio de clientes, sobretudo depois de algumas garrafas de vinho, "é comum, mas não assusta". Ela recebe os clientes até quase uma da manhã, quando o restaurante fecha as portas. A essa hora, a chef Clo e parte da equipe de cozinheiros já foi para casa dormir: no outro dia, pela manhã, têm de voltar para começar tudo de novo.

@ - bergamo@folhasp.com.br

COM ALVARO LEME (REPORTAGEM) E CLEO GUIMARÃES



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