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CINEMA
Lançamentos abordam o fetichismo, o papel das mulheres, o situacionismo e a cromática nas obras do americano
Livros pintam facetas de Stanley Kubrick
DO "MONDE"
Seis anos depois de sua morte,
em 7 de março de 1999, o cineasta
americano está de volta. Uma exposição gigantesca organizada
por Hans-Peter Reichmann circulará por diversos países, depois
de passar por Berlim. E recentemente também foram lançados
na Europa quatro livros sobre Kubrick, todos eles abordando quatro questões essenciais a uma das
grandes obras do século 20.
Kubrick era fetichista? O colossal álbum publicado pela editora
Taschen oferece um mergulho em
arquivos inéditos de um dos cineastas mais dados ao sigilo. É um
calhamaço de sete quilos, redigido em inglês (acompanhado de
um caderno contendo traduções
francesas e de um DVD com uma
entrevista com Kubrick, datada
de 1966).
"The Stanley Kubrick Archives"
(os arquivos de Stanley Kubrick)
dedica mais da metade de seu espaço a esplêndidos fotogramas de
todos os filmes do diretor, apontando para algumas de suas obsessões (máscaras, manequins,
telefones), e oferece material extraído de seus arquivos pessoais.
Repleto de textos referentes à
origem dos filmes, de críticas (por
Gene Philips, Rodney Hill, Jan
Harlan, Michel Ciment) e de entrevistas, o tesouro também oferece desenhos, fotos de cena, anotações, maquetes, Polaroids tiradas na redação de roteiros, imagens de cenas cortadas na edição e
documentos sobre projetos que
não puderam ser tocados, como
um filme a respeito de Napoleão.
Kubrick guardava tudo. No livro, uma festa para os olhos, podemos encontrar numerosas informações sobre a cena final de
"Doutor Fantástico", suprimida
na montagem (uma batalha de
tortas), o espírito exigente, que
solicitou 20 machados idênticos
para a locação de "O Iluminado",
a admiração de Kubrick por Max
Ophuls, a intenção original de entregar o papel interpretado por
Tom Cruise em "De Olhos Bem
Fechados" a Woody Allen.
Kubrick desconfiava das mulheres? No seu erudito estudo intitulado "Stanley Kubrick, L'Humain ni Plus ni Moins" (Stanley
Kubrick: o humano, nem mais
nem menos), Michel Chion resume todas as tramas, coloca cada
filme no contexto, explora estruturas, edição, coabitações de imagens, palavras e música. O autor
arrisca análises pessoais entre
dois desdobramentos conceituais. É fácil recordar a maneira
pela qual o cineasta misantropo
representava as mulheres. As esculturas no bar de "Laranja Mecânica", mulheres nuas de coxas separadas, funcionam como metáfora da imagem feminina de acordo com Kubrick: um corpo capaz
de acolher ou expulsar personagens. Uma nudez pouco inclinada
a se deixar manipular. O homem
aceita as formas hollywoodianas,
que ele designa como "jogo duplo, alusões, ilusões".
Descobrimos que foi excluída
de "A Morte Passou por Perto"
(1955), do início da carreira de
Kubrick, uma cena de amor que
foi filmada e cortada na edição,
considerada muito brutal e sexual. Pode-se perceber que homens e mulheres não dizem "I love you" (eu te amo) espontaneamente em seus filmes.
Michel Chion conta que a mulher de Barry Lyndon era um ícone quase mudo, da qual se conhece apenas a inicial do prenome
(H); que, em "O Iluminado", a heroína do romance de Stephen
King é transformada de mulher
sexy em figura confusa e de cérebro de passarinho, e que, mesmo
que ocupe papel central na trama,
a mulher jamais está onipresente
na tela.
Uma possível explicação: a ninfeta de "Lolita", como a personagem de Nicole Kidman em "De
Olhos Bem Fechados", são personagens que exigem que os homens acreditem em sua palavra.
Suas aventuras amorosas, paixões, encantamentos são apenas
objetos de relato, confissões.
A Alice de "De Olhos Bem Fechados" só é vista sob a luz artificial de um banheiro, de um salão
de baile, de uma recepção privada, lugares fechados em que ela se
posta, sob o olhar de Tom Cruise.
Como o oficial por quem Alice diz
que deixaria seu marido porque
ele "olhou para ela com intensidade", Kubrick repousa seu olhar
sobre Alice. Voyeur?
Kubrick era um situacionista?
Essa é a tese do ensaio apaixonante de Jordi Vidal, "Traité du Combat Moderne, Films et Fictions de
Stanley Kubrick" [tratado do
combate moderno, filmes e ficções de Stanley Kubrick]. Ao sublinhar a evidente diferença de
atitude entre um Guy Debord, determinado a não vender sua alma
ao mercado, e um Kubrick determinado a assinar obras "comerciais" produzidas para os grandes
estúdios, o autor tenta mostrar
como o cineasta subverte a sociedade do espetáculo.
Jordi vê nos 1001 rostos adotados por Peter Sellers em "Doutor
Fantástico" uma estratégia de dissimulação. O cineasta paranóico
decidiu filmar "O Iluminado", de
Stephen King, a fim de "tirar vantagem dos princípios econômicos
que embasam um best-seller",
"perverter o sistema de comunicação", transformar o discurso de
submissão às fantasias em uma
recusa do fatalismo. Usou a nudez
do casal Kidman-Cruise em "De
Olhos Bem fechados" a fim de
atrair espectadores a um filme supostamente ousado, com o objetivo de na verdade lhes exibir uma
obra complexa.
Assim, "Spartacus" faz o elogio
da revolta libertária, "Glória Feita
de Sangue" celebra a recusa à
mentira nacionalista, "Barry
Lyndon" funciona como demonstração de que é obrigatório
saber mentir e se disfarçar para
resistir à guerra que a sociedade
nos impõe.
"Nascido para Matar" é um
"tratado de combate moderno",
que traz a denúncia das técnicas
de doutrinação já representadas
em "Laranja Mecânica", no qual a
violência dos delinqüentes não é
capaz de rivalizar com o Estado e
suas lavagens cerebrais. "2001:
Uma Odisséia no Espaço" é uma
crítica ao materialismo, à subordinação dos homens às máquinas. "De Olhos Bem Fechados" é a
demonstração da submissão dos
homens à obscenidade televisiva,
a maneira pela qual a sociedade
do espetáculo transforma suas
fantasias em estereótipos.
Kubrick via tudo em vermelho?
Nos primeiros capítulos do magnífico "Matière d'Images", Jacques Aumont explora a relação
entre os mestres do cinema e a
pintura -Hitchcock, Pasolini,
Godard. A seguir, o autor analisa
a palheta cromática de Kubrick,
diretor cuja obra foi "fertilizada"
pela pintura. Menciona homenagens a Constable, Gainsborough e
Hogarth (em "Barry Lyndon") e à
pintura pop (em "A Laranja Mecânica").
Aumont aponta igualmente para a influência de Longhi, em "De
Olhos Bem Fechados", e de Gauguin e Douanier Rousseau em
"2001" (os amarelos e malvas do
começo, cenas africanas da aurora da humanidade, o plano da
pantera postada ao lado de uma
zebra morta).
A análise sublinha a onipresença, em filme após filme, do vermelho, cor soberana, mas também
destaca a presença de um branco
radiante. "2001" é a referência. Filme saturado de um sol capaz de
cegar, o raio frontal do qual nem
macacos nem astronautas são capazes de se proteger e sob o qual,
ao final, na "jaula luxuosa" do
mundo invertido, são atacados
por monolitos jupiterianos. Em
um mundo branco, escreve ele,
"onde o sucesso da efêmera civilização humana é reduzir o branco
a estados pálidos e toleráveis nas
paredes, ou armazenar essa reserva de brilho para projeções sempre virtuais..., basta um clarão de
vermelho para criar a cor".
Tradução Paulo Migliacci
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