São Paulo, sexta-feira, 06 de junho de 2008

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Música - Memória

Meirelles uniu jazz e gafieira em clássicos da música brasileira

Saxofonista e compositor carioca criou o arranjo para "Mas que Nada", primeiro grande sucesso de Jorge Ben, em 1963

Roberto Price - 17.dez.01/Folha Imagem
O saxofonista e arranjador carioca J.T. Meirelles, que morreu na última terça aos 67 anos

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ele dedicou toda sua vida à música. Mesmo assim, ironicamente, a obra do saxofonista, compositor, arranjador e produtor carioca J.T. Meirelles, morto na última terça, aos 67, quase ficou relegada aos sebos empoeirados, como as de outros grandes instrumentistas brasileiros.
Oito anos atrás, quando o cantor Wilson Simoninha sampleou, em seu álbum "Volume 2", a suingada introdução que Meirelles escreveu em 1963 para a gravação de "Mas que Nada" (o primeiro sucesso de Jorge Ben), só seus colegas e uns poucos admiradores sabiam quem era o criador daquela pequena jóia musical.
Não fosse a iniciativa do produtor e compositor Ronaldo Bastos, que relançou por seu selo Dubas, em 2001, os hoje cultuados álbuns que Meirelles e seu grupo Os Copa 5 gravaram nos anos 60 -"O Som" (64) e "O Novo Som" (65)-, a obra desse músico inovador poderia ter sido esquecida.
Pioneiro do samba-jazz (a vertente instrumental da bossa nova), João Theodoro Meirel- les foi um dos músicos que freqüentaram o lendário Beco das Garrafas, reduto carioca dos bossa-novistas, no início dos anos 60. Ali conheceu Jorge Ben e participou de jam sessions ao lado de outros instrumentistas jovens, como Sergio Mendes, Raul de Souza, Luiz Eça e Luiz Carlos Vinhas.
"De certo modo, ele me incentivou a estudar mais o jazz", disse ontem o clarinetista Paulo Moura, ainda surpreso ao saber da morte do colega, com o qual integrou o grupo do baterista Edison Machado, em 1965. "O Meirelles lia as revistas norte-americanas de jazz e me perguntava coisas, achando que eu sabia responder. Eu ficava envergonhado."
Mesmo influenciado por saxofonistas norte-americanos de sua geração, como Sonny Rollins, Stan Getz e Johnny Griffin, Meirelles não se restringiu ao jazz. Já à frente do grupo Os Copa 5, em 1963, misturou o ritmo sincopado do samba de gafieira com a sofisticação harmônica da bossa nova e improvisos jazzísticos. Sua composição "Quintessência" tornou-se um clássico da música instrumental brasileira.
Mas a fase como líder foi breve. Depois de lançar os dois álbuns com seu quinteto, sem ver grandes perspectivas na carreira de solista, Meirelles preferiu atuar como arranjador, produtor e músico de big bands. No final dos anos 60 chegou a ser diretor artístico da gravadora EMI-Odeon. Já na década de 70, entre trabalhos como instrumentista, também passou a lecionar música.
Só após o relançamento de seus discos, já nesta década, Meirelles voltou a apostar na possibilidade de atuar como solista, liderando uma nova versão de seu quinteto. "Resolvi pela primeira vez na minha vida me assumir como artista. Sempre fui muito cético em relação às oportunidades para a música instrumental", declarou à Folha, em 2003.
Estimulado pelo interesse de uma nova geração de fãs do samba-jazz e da música instrumental, Meirelles gravou os álbuns "Samba-Jazz!" (2003) e "Esquema Novo" (2005), lançados pelo mesmo selo Dubas. Neles, exibiu novas composições, recriou clássicos da MPB e até transformou sua popular introdução para "Mas que Nada" na saborosa faixa-título do CD "Esquema Novo".
Numa cultura musical como a nossa, em que, de maneira geral, qualquer cantor medíocre é mais prestigiado do que grandes instrumentistas, Meirelles teve ao menos a sorte de ver sua obra reconhecida por um pequeno público. Uma satisfação que poucos músicos brasileiros já desfrutaram.


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