São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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OPINIÃO

Videotape controla com intensidade crescente a movimentação das pessoas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em 50 anos, o mundo das transmissões esportivas mudou inteiramente para que nada mudasse.
Na Copa de 1958 não havia imagens. As pessoas reuniam-se nas praças centrais para escutar o jogo em grandes painéis de alto-falantes. Se o Brasil passava por dificuldades, não há dúvida de que o principal fator eram os juízes europeus que nos roubavam descaradamente.
Algo que mudaria do momento em que se pudesse rever as imagens pela televisão. Tudo bem, mas naquele tempo, para transmitir um jogo do Rio de Janeiro a São Paulo, estendiam-se cabos ao longo da rodovia Dutra: parece ficção científica ao contrário.
Com a tecnologia moderna, vieram as transmissões diretas, o videotape, a repetição dos gols -o "repeteco", como dizia um locutor careta. O inesquecível Nelson Rodrigues (1912-1980) era uma voz solitária a pregar que o videotape é burro. Aparentemente, ninguém entendia o que ele pretendia dizer.
Burro e perverso, diríamos hoje. Pois o videotape é a matriz de um mundo que controla com intensidade cada vez maior a movimentação das pessoas, nos campos de futebol, nos elevadores, na firmas.

DELAÇÃO
Em sua programada estupidez, o VT ajuda a manter a lei e a ordem no campo, delatando o jogador que bota o dedo no nariz ou manda uma banana aos torcedores.
Os tribunais punem os craques com base no que é visível, sem se darem conta de que a realidade que veem é truncada, montada, fraudada, em suma: operada por um diretor de TV.
Graças a isso, a televisão de 2010 reentroniza o juiz como o principal personagem do jogo. As imagens são vistas, revistas e interpretadas pelo juiz do juiz. Se o VT é burro, eles não costumam ser muito mais brilhantes.

FALSEAMENTO
Não parecem se dar conta de que a câmera lenta, instrumento analítico, falseia não só o tempo, mas também as intensidades.
Uma falta normal pode parecer uma tentativa de assassinato. Um esbarrão vira pênalti. Etc.
E o jogo, os jogadores, tornam-se meros apêndices da atuação do árbitro. Depois do jogo, o juiz é a desculpa dos técnicos.
Mudou a tecnologia, não nós: continuamos a ver o juiz como instrumento da injustiça que abate nossos times e nossos países.
Em 1958 não podíamos ver nada. Em 2010 vemos tudo, mas não vemos nada. O excesso de luz ofusca, já disse alguém.


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