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OPINIÃO
Videotape controla com intensidade crescente a movimentação das pessoas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em 50 anos, o mundo das
transmissões esportivas mudou inteiramente para que
nada mudasse.
Na Copa de 1958 não havia
imagens. As pessoas reuniam-se nas praças centrais
para escutar o jogo em grandes painéis de alto-falantes.
Se o Brasil passava por dificuldades, não há dúvida de
que o principal fator eram os
juízes europeus que nos roubavam descaradamente.
Algo que mudaria do momento em que se pudesse rever as imagens pela televisão. Tudo bem, mas naquele
tempo, para transmitir um jogo do Rio de Janeiro a São
Paulo, estendiam-se cabos
ao longo da rodovia Dutra:
parece ficção científica ao
contrário.
Com a tecnologia moderna, vieram as transmissões
diretas, o videotape, a repetição dos gols -o "repeteco",
como dizia um locutor careta. O inesquecível Nelson Rodrigues (1912-1980) era uma
voz solitária a pregar que o
videotape é burro. Aparentemente, ninguém entendia o
que ele pretendia dizer.
Burro e perverso, diríamos
hoje. Pois o videotape é a matriz de um mundo que controla com intensidade cada
vez maior a movimentação
das pessoas, nos campos de
futebol, nos elevadores, na
firmas.
DELAÇÃO
Em sua programada estupidez, o VT ajuda a manter a
lei e a ordem no campo, delatando o jogador que bota o
dedo no nariz ou manda uma
banana aos torcedores.
Os tribunais punem os craques com base no que é visível, sem se darem conta de
que a realidade que veem é
truncada, montada, fraudada, em suma: operada por
um diretor de TV.
Graças a isso, a televisão
de 2010 reentroniza o juiz como o principal personagem
do jogo. As imagens são vistas, revistas e interpretadas
pelo juiz do juiz. Se o VT é
burro, eles não costumam ser
muito mais brilhantes.
FALSEAMENTO
Não parecem se dar conta
de que a câmera lenta, instrumento analítico, falseia
não só o tempo, mas também
as intensidades.
Uma falta normal pode parecer uma tentativa de assassinato. Um esbarrão vira pênalti. Etc.
E o jogo, os jogadores, tornam-se meros apêndices da
atuação do árbitro. Depois do
jogo, o juiz é a desculpa dos
técnicos.
Mudou a tecnologia, não
nós: continuamos a ver o juiz
como instrumento da injustiça que abate nossos times e
nossos países.
Em 1958 não podíamos ver
nada. Em 2010 vemos tudo,
mas não vemos nada. O excesso de luz ofusca, já disse
alguém.
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