São Paulo, sexta-feira, 06 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MEMÓRIA

Henderson esperou três décadas pelo sucesso

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um ano e meio atrás, quando um enfisema pulmonar afastou o músico norte-americano Joe Henderson dos palcos e estúdios, um site da internet chegou a noticiar sua morte, erroneamente. A expectativa dos fãs manteve-se até o último sábado, quando o coração desse mestre do sax parou de vez aos 64 anos. O jazz perdeu um de seus maiores improvisadores.
Henderson foi protagonista de um curioso caso de popularidade tardia. Diferentemente de outros astros do gênero, que tiveram seus talentos consagrados pelo público na juventude, o saxofonista natural de Ohio só atingiu o sucesso aos 55 anos. Em meados de 92, seu álbum "Lush Life" o levou pela primeira vez ao topo da parada de jazz da "Billboard".
"Todos amam Joe", chegou a festejar a influente revista norte-americana "Down Beat", na época. Uma manchete um tanto irônica, em se tratando da primeira capa que essa publicação especializada dedicou ao saxofonista. Até então, o nome de Henderson era familiar apenas a músicos e aficcionados, que acompanhavam sua trajetória desde as primeiras gravações pelo selo Blue Note, em Nova York, nos anos 60, ao lado de feras como Kenny Dorham, McCoy Tyner e Horace Silver.
A surpresa no lançamento do CD "Lush Life" não estava no projeto em si, mas no fato de Henderson ter voltado a contar com o apoio logístico de uma grande gravadora, a Verve/Polygram (hoje Universal). Algo já pouco esperado no caso de um veterano como ele, que por sete anos gravou apenas por selos alternativos.
Dedicado à obra do compositor Billy Strayhorn (1915-1967), "Lush Life" revelou a um público bem mais amplo um músico maduro e original, que sintetizou seu estilo sem a influência direta de John Coltrane (1926-1967) ou Sonny Rollins (ainda ativo hoje aos 70 anos), gigantes do sax tenor na era moderna do jazz.
A repercussão desse álbum levou a outro. Centrado na obra de Miles Davis (1926-1991), "So Near, So Far" é um dos pontos mais altos na carreira de Henderson. A trilogia de projetos temáticos completou-se em 1994, com "Double Rainbow", um belíssimo tributo à música de Tom Jobim. Projeto que nasceu durante a primeira vinda do norte-americano ao Brasil, para o Free Jazz de 1993.
Apesar do sucesso desses álbuns, ao se apresentar nos clubes e festivais de jazz, Henderson insistia em tocar quase sempre um restrito número de temas, como "Ask Me Now" (de Thelonious Monk). Era assim que ele melhor demonstrava sua incrível habilidade em desenvolver variações melódicas sobre a estrutura do tema. Um estilo sutil e sofisticado que se manteve praticamente intacto desde os anos 60, como uma assinatura sonora.
"Não faço o que faço em busca de reconhecimento. Faço porque acho que devo fazer", disse Henderson, em 1993, quando perguntei a ele se sobrara alguma mágoa por ter alcançado o sucesso só depois de três décadas. Deve ter morrido satisfeito.


Carlos Calado é crítico de música, autor de "O Jazz como Espetáculo"



Texto Anterior: Mônica Bergamo: Adrenalina
Próximo Texto: Vida bandida - Voltaire de Souza: Memória
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.