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MEMÓRIA
Henderson esperou três décadas pelo sucesso
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um ano e meio atrás, quando
um enfisema pulmonar
afastou o músico norte-americano Joe Henderson dos palcos e estúdios, um site da internet chegou
a noticiar sua morte, erroneamente. A expectativa dos fãs manteve-se até o último sábado, quando o coração desse mestre do sax
parou de vez aos 64 anos. O jazz
perdeu um de seus maiores improvisadores.
Henderson foi protagonista de
um curioso caso de popularidade
tardia. Diferentemente de outros
astros do gênero, que tiveram
seus talentos consagrados pelo
público na juventude, o saxofonista natural de Ohio só atingiu o
sucesso aos 55 anos. Em meados
de 92, seu álbum "Lush Life" o levou pela primeira vez ao topo da
parada de jazz da "Billboard".
"Todos amam Joe", chegou a
festejar a influente revista norte-americana "Down Beat", na época. Uma manchete um tanto irônica, em se tratando da primeira
capa que essa publicação especializada dedicou ao saxofonista. Até
então, o nome de Henderson era
familiar apenas a músicos e aficcionados, que acompanhavam
sua trajetória desde as primeiras
gravações pelo selo Blue Note, em
Nova York, nos anos 60, ao lado
de feras como Kenny Dorham,
McCoy Tyner e Horace Silver.
A surpresa no lançamento do
CD "Lush Life" não estava no projeto em si, mas no fato de Henderson ter voltado a contar com o
apoio logístico de uma grande
gravadora, a Verve/Polygram
(hoje Universal). Algo já pouco
esperado no caso de um veterano
como ele, que por sete anos gravou apenas por selos alternativos.
Dedicado à obra do compositor
Billy Strayhorn (1915-1967),
"Lush Life" revelou a um público
bem mais amplo um músico maduro e original, que sintetizou seu
estilo sem a influência direta de
John Coltrane (1926-1967) ou
Sonny Rollins (ainda ativo hoje
aos 70 anos), gigantes do sax tenor na era moderna do jazz.
A repercussão desse álbum levou a outro. Centrado na obra de
Miles Davis (1926-1991), "So Near,
So Far" é um dos pontos mais altos na carreira de Henderson. A
trilogia de projetos temáticos
completou-se em 1994, com
"Double Rainbow", um belíssimo
tributo à música de Tom Jobim.
Projeto que nasceu durante a primeira vinda do norte-americano
ao Brasil, para o Free Jazz de 1993.
Apesar do sucesso desses álbuns, ao se apresentar nos clubes
e festivais de jazz, Henderson insistia em tocar quase sempre um
restrito número de temas, como
"Ask Me Now" (de Thelonious
Monk). Era assim que ele melhor
demonstrava sua incrível habilidade em desenvolver variações
melódicas sobre a estrutura do tema. Um estilo sutil e sofisticado
que se manteve praticamente intacto desde os anos 60, como uma
assinatura sonora.
"Não faço o que faço em busca
de reconhecimento. Faço porque
acho que devo fazer", disse Henderson, em 1993, quando perguntei a ele se sobrara alguma mágoa
por ter alcançado o sucesso só depois de três décadas. Deve ter
morrido satisfeito.
Carlos Calado é crítico de música, autor
de "O Jazz como Espetáculo"
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