São Paulo, sexta-feira, 06 de julho de 2001

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CRÍTICA

Camurati conduz filme com doçura e impolidez

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Às vezes parece que existem dois filmes no "Copacabana" de Carla Camurati.
Se retivermos os primeiros planos de Marco Nanini, fazendo Alberto, um senhor de 90 anos que passou toda vida no bairro, o filme é um: é a história de um rosto e suas transformações, uma busca do tempo perdido; tentativa de conter os efeitos do tempo, promover o encontro entre as memórias pessoal e coletiva do lugar.
Se retivermos, porém, cenas como a de uma senhora octogenária a se masturbar numa sala, a história é um pouco diferente. Então, Camurati está refletindo, ainda, sobre o correr do tempo e seus efeitos, a decrepitude do corpo e a permanência do desejo. Mas é bem outro o andamento.
No primeiro registro, estamos no sublime, ou quase: o rosto ou o andar do velho homem são confrontados a cenas de sua infância e juventude. Tudo o que parece atravessar seu corpo são pensamentos idos e vividos. No outro registro, a vulgaridade dá o tom.
É desse tipo de abismos que se faz "Copacabana". Eles parecem atravessar todas as instâncias do filme. Quando Carla Camurati filma personagens na rua, vemos passantes, atrás, que por vezes olham para a câmera. Seria um defeito? Pode-se ver a coisa assim. Mas é nisso que reside a perfeita intimidade da diretora com o cinema: em vez desses figurantes arranjadinhos, temos a pulsação da rua, sua verdade. Distingue coisas vivas de mortas e evita armadilhas do novo-riquismo.
Ao mesmo tempo, quando registra a mulher que se masturba, não se pode acusá-la de mentir. Mas sua verdade sofre de ingenuidade e falta de tato.
A alternância de momentos pertinentes e outros menos, de interpretações felizes e desastrosas, de frases justas e outras supérfluas, de soluções inventivas e banais é desconcertante.
Já é assim no roteiro. Quando opta por reduzir o passado de Alberto a alguns momentos específicos, Carla ensina à maior parte de seus colegas que para reconstituir uma vida não é preciso repassá-la ano a ano. Quando, no entanto, introduz no grupo de amigos de Alberto, judeu, cuja única função parece ser reforçar certos lugares-comuns sobre os judeus, tem-se o extremo oposto: da vacuidade e da grosseria.
No filme, sente-se a oscilação. Cenas como a de abertura, que começa em Copacabana de quase cem anos atrás e termina nos dias de hoje, são eficazes. Já as menções ao envelhecimento pecam pela dispersão ou pela repetição.
Ver "Copacabana" é como passear numa montanha-russa, onde se alternam a vitalidade e o prazer do cinema e o apelo ao grátis. Partilha-se a ternura da diretora por seus personagens, mas também ressente-se a evolução meio aos trancos e barrancos. É um filme que se aceita, ou não, como vem.

Copacabana   
Direção: Carla Camurati
Produção: Brasil, 2001
Com: Marco Nanini e Louise Cardoso
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Cinemark e outros



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