São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

HISTÓRIA

Obra do engenheiro baiano, que viveu em SP na virada do século 20, ajudou Euclydes da Cunha em "Os Sertões"

Teodoro Sampaio traça o Brasil em diário

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

"Estávamos de fato num mundo estranho. Como estavas longe, oh, civilização." Colhidas do diário de viagem do engenheiro Teodoro Sampaio (1855-1937) pelo rio São Francisco e a Chapada Diamantina, as palavras acima sintetizam a ânsia pela modernização do Brasil e o embate das idéias de civilização e barbárie que dominavam o debate intelectual nos grandes centros urbanos na virada para o século 20.
Publicado pela coleção Retratos do Brasil, da Companhia das Letras, o diário permite investigar o pensamento desse intelectual baiano que teve importante papel nas transformações pelas quais passou a produção de conhecimento no país no período.
Filho de uma escrava e um padre, Teodoro Sampaio amadureceu profissionalmente em São Paulo na época em que esta, com os lucros do café, tentava a todo o custo deixar para trás os costumes, a economia e a imagem coloniais. É dessa época a fundação de várias instituições científicas, consideradas peça importante desse processo modernizante. Sampaio participou da criação de duas delas, a Escola Politécnica (1893) e o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894).
Sampaio chegou à capital paulista como renomado conhecedor do sertão baiano. Entre 1879 e 1880, o engenheiro participou da Comissão Hidráulica, que estudou os portos e a navegação pelo país. É o relato do trajeto percorrido entre a foz do São Francisco até a cidade de Pirapora (MG), e depois de Carinhanha até São Félix (BA), pela Chapada Diamantina, que chega agora às livrarias.
A organização é do historiador José Carlos Barreto de Santana, da Universidade Estadual de Feira de Santana, que está escrevendo uma biografia de Sampaio.
Leia abaixo trechos da entrevista que o pesquisador deu à Folha sobre o personagem, hoje talvez mais famoso por dar nome a uma das principais ruas comerciais de SP e ao município no Pontal do Paranapanema, base para a ação dos sem-terra no Oeste paulista.

Folha - Quais as diferenças entre o olhar de viajante de Teodoro Sampaio e o dos viajantes do começo do século 19?
José Carlos Barreto de Santana -
Existem antes certas semelhanças. O relato de Teodoro Sampaio é ainda o da abrangência, representado pela presença de uma variedade de conhecimentos (geologia, botânica, história, etnografia, geografia). Convivem descrições do meio físico com momentos de encantamento com a natureza. Teodoro fez uma espécie de inventário das paisagens e populações de uma parte do país que é mais habitado do que se pensa, menos rico do que se presume e mais belo do que se imagina.

Folha - Como era a relação do autor com Euclydes da Cunha?
Santana -
Euclydes da Cunha frequentava a casa de Teodoro Sampaio. Este foi, junto com o geólogo Orville Derby e o botânico Albert Loefgren, responsável pela indicação do nome de Euclydes para compor o quadro de sócios do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e um de seus mais importantes colaboradores na elaboração de "Os Sertões".

Folha - De que maneira se deu essa colaboração?
Santana -
Euclydes tratou pela primeira vez da Guerra de Canudos nos artigos "A Nossa Véndeia" (1897), motivados pela derrota da expedição do coronel Moreira César no enfrentamento com os seguidores de Antonio Conselheiro. Chama a atenção a abordagem de aspectos do meio físico daquela região do interior baiano que Euclydes não conhecia. Euclydes obteve notas e até um mapa inédito do local, que, divulgado sem autorização de Teodoro, criou constrangimentos, pois este foi chamado a uma conferência com o então governador de SP, Campos Sales.

Folha - Quais aspectos observados no livro colaboram para o entendimento da atual configuração humana e geográfica da região?
Santana -
A leitura do diário de Teodoro permite entender como a diminuição da importância do rio São Francisco enquanto sistema de viação interior e a decadência da mineração redefiniram a importância de suas vilas e cidades. Os grupamentos humanos desenvolviam características diferenciadas dos habitantes do litoral e que ainda hoje são associadas ao sertanejo. Muito do que foi descrito ainda se encontra sem grandes modificações, como, por exemplo, os deslocamentos populacionais regidos pelas secas.


O RIO SÃO FRANCISCO E A CHAPADA DIAMANTINA -
De: Teodoro Sampaio.
Organização: José Carlos Barreto de Santana. Editora: Companhia das Letras.
Quanto: R$ 31,50 (351 págs.).




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