|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Presidente se reúne com apresentadores populares para usar programas de televisão em defesa de suas propostas de reformas
Quanto vale o show
PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
O apresentador de televisão
Carlos Massa, o Ratinho, voltou
ao Palácio da Alvorada pela segunda vez, depois de 13 anos, no
último dia 4 de junho, para um
jantar reservado.
Foi saudado por um anfitrião
bem-humorado, com um pedido:
parar de falar besteira na televisão
e ajudar a defender as reformas
propostas pelo governo. "Você
não é meu amigo?", perguntou o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme o relato que Ratinho
faz do encontro.
Em 1990, na primeira visita à residência oficial da Presidência da
República, então ocupada por
Fernando Collor, o apresentador
recebeu tratamento bem mais
formal. Recém-eleito deputado
federal pelo PRN-PR, o mesmo
partido do ex-presidente, Ratinho
foi chamado de senhor por Collor, que lhe perguntou protocolarmente em que poderia ser útil.
Nada mais diferente do que o
encontro de um mês atrás com
Lula, regado na abertura com doses da cachaça mineira Havana, a
preferida de ambos.
"Lula é meu amigo. A única coisa ruim do nosso encontro foi
aquela cigarrilha fedorenta que
ele fuma. Se ele não acertar este
país, ninguém vai acertar mais",
diz Ratinho, 47, do SBT.
Encontro marcado
A saudação que Lula fez ao
apresentador será repetida -talvez em termos mais discretos-
em jantar que o presidente deve
marcar, provavelmente para o
próximo dia 24, com os principais
comunicadores populares da televisão.
Os convites para a reunião
-prevista inicialmente para o último dia 23, mas cancelada por
problemas de agenda- serão endereçados também aos apresentadores Gugu Liberato, José Luiz
Datena, Luciana Gimenez, Hebe
Camargo, Ana Maria Braga, Luciano Huck, Fausto Silva e Jô Soares, entre outros.
"O Lula tem meu apoio irrestrito porque é meu amigo. Se não
conseguir fazer um bom governo,
morro abraçado com ele. Não importa quais caminhos tomar, vou
ser solidário até o final", afirma
José Luiz Datena, 46, do "Brasil
Urgente", da Rede Bandeirantes.
Augusto Liberato, o Gugu, apresentador do "Domingo Legal" no
SBT, fez a campanha eleitoral do
tucano José Serra, mas se mostra
simpático à proposta de levar a
discussão das reformas à TV.
"Neste momento da vida política, o povo está receptivo a todas as
mensagens que emanam do governo, ou seja, o povo tem muita
esperança e ouve bem as mensagens enviadas", diz Gugu, 44.
A intenção de Lula é pedir que
os apresentadores ajudem a esclarecer na TV as razões e as mudanças que planeja com as reformas
tributária e previdenciária.
Esses apresentadores juntos
têm uma audiência que, se calculada nacionalmente, grosso modo, fica próxima da casa dos 50
milhões de espectadores.
Dinheiro e capitulação
O objetivo do governo é que as
discussões sejam tomadas como
de interesse jornalístico, sem pagamento de "merchandising", como fez o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997, durante
o processo de privatização do sistema Telebrás, em programas como o do próprio Ratinho.
Mas as emissoras não têm do
que reclamar, porque o governo
federal dispõe hoje de R$ 113,2
milhões para gastos com publicidade na mídia em geral. No caso
da TV, a Secretaria de Comunicação diz que aplicará o dinheiro
tendo como critério a audiência.
Quem tem mais espectadores recebe mais.
Mais delicada do que a questão
financeira, parece ser a de os apresentadores aceitarem encampar a
agenda do governo. "Não se trata
de apoiar ou não determinado governo. O importante é a função
social do comunicador de esclarecer o seu público sobre aspectos
complexos da política, levando à
grande massa problemas sociais
com uma linguagem simples e direta, dirimindo dúvidas e esclarecendo pontos", diz Gugu.
Apoio total
Ratinho afirma que não conhece a proposta da Previdência por
inteiro, por exemplo, mas apóia
ponto considerado essencial pelo
governo, a questão da cobrança
de uma contribuição dos servidores públicos inativos.
"Depende de quanto ele ganha.
De um aposentado que ganha R$
500, não pode cobrar. Mas, de um
que recebe R$ 2.500, pode cobrar
um pouco, sim. Não é que pode,
mas deve. É a única solução que
temos", declara.
José Luiz Datena segue a mesma
linha. "A proposta de reforma da
Previdência é legal. Há discrepâncias absurdas. Não faz sentido
existir aposentadorias de R$ 27
mil. Isso é um buraco sem fundo.
Há resistências da máquina burocrática e da direita", opina.
Ratinho vendeu churrasquinho
em rodoviária, Gugu foi office-boy, e Datena ganhou a simpatia
de Lula quando era apenas um repórter esportivo de rádio. As origens dos três talvez expliquem a
contraposição que fazem entre
um suposto elitismo de FHC e a
qualificação de Lula como "homem do povo" -igual à audiência para a qual falam em seus programas.
Em atos públicos, o presidente
tem utilizado um estilo próximo
do de programas de auditório. Foi
assim que, no dia 29 de maio passado, de microfone em punho,
dialogando com uma platéia de
metalúrgicos, em São Bernardo
do Campo, criou seu bordão predileto atualmente: a promessa do
"espetáculo do crescimento".
Ratinho define como "genial" a
performance de Lula e reclama do
estilo "empolado" do seu antecessor, a quem define como um "intelectual desses que quer resolver
tudo só a seu jeito".
"Cobrei isso quatro anos do
FHC. É importante que a gente
coloque os projetos numa linguagem que o povo entenda", diz.
Já Gugu vê convergências entre
o atual presidente e o anterior.
"As formas podem diferir em alguns aspectos, mas a mensagem é
a mesma e visa tranquilizar tanto
o mercado interno como o mercado externo, positivando a situação econômica brasileira."
Datena chegou a ter encontros
com FHC quando este era presidente. "Apesar de ser um social-democrata, amável e simpático,
representa a elite. FHC seria um
ótimo primeiro-ministro da Inglaterra. Mas tinha aquele distanciamento clássico do povo."
MST e violência
O que mais perturba os apresentadores é a relação do presidente com o MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem
Terra) e o que principalmente os
distancia de Lula é a questão da
segurança pública.
"Estou muito preocupado com
o MST. O cara que está desempregado está indo para o MST. Não é
só o cara da terra", declara Ratinho. "Todo mundo comenta sobre o Lula usando boné do MST.
Não foi uma manifestação de
apoio, mas pode ter sido exagero.
Porque não se pode apoiar essas
invasões absurdas", diz Datena.
Comandando programas fortemente alimentados por casos de
violência urbana e com discurso
agressivo contra criminosos, Ratinho e Datena se diferenciam na
forma como encaram o tratamento dado por Lula à segurança.
"Discuto isso com ele. Ele tem
aquele discurso, que acho que o
Hélio Bicudo [histórico defensor
dos direitos humanos] colocou na
cabeça dele: "Temos de resolver a
questão social, porque o pai de família desempregado faz umas
loucuras". Discordo. Pai de família sério não vai pegar uma arma
para assaltar. Vai pedir, mas não
vai assaltar. Essa diferença nós temos", afirma Ratinho.
Datena segue uma linha mais
amena. "A questão da segurança
não é policialesca. É social. Não
vai se resolver em seis meses, nem
mesmo em 50 anos. O problema
social deságua na violência. Tolerância zero é uma bobagem criada nos EUA. Lá prendem negro,
latino, sem-teto. Se for usada
aqui, não sobra ninguém."
Pedro Caroço
A complacência com o governo
Lula é a tônica, com poucas exceções. "Ele está com um time muito bom. Não sou PT, sou Lula e
sou José Dirceu", afirma Ratinho,
que se refere ao ministro-chefe da
Casa Civil como Pedro Caroço,
apelido pelo qual era conhecido
quando se escondia do regime
militar, no interior do Paraná, Estado de origem do apresentador.
A restrição que ele faz é à ministra da Assistência Social. "A Benedita [da Silva] acho ruim para caramba. É só discurso. Marcam
reunião para marcar reunião",
graceja.
A depender dos comunicadores, a discussão sobre a reforma
em seus programas terá como
atração o próprio presidente.
"Lula tem as características de
um comunicador. Fala o que pensa sem a defesa natural que os políticos treinados têm. Não tem
barreiras", diz Datena.
Rindo, Ratinho manifesta preocupação quanto a uma eventual
concorrência. "Meu medo é de o
Lula sair da política e querer fazer
televisão no meu horário. Ele tem
o estilo que o brasileiro gosta."
Texto Anterior: Novelas da semana Próximo Texto: Palanque: Político vira atração de programa popular Índice
|