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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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Presidente se reúne com apresentadores populares para usar programas de televisão em defesa de suas propostas de reformas

Quanto vale o show

PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

O apresentador de televisão Carlos Massa, o Ratinho, voltou ao Palácio da Alvorada pela segunda vez, depois de 13 anos, no último dia 4 de junho, para um jantar reservado.
Foi saudado por um anfitrião bem-humorado, com um pedido: parar de falar besteira na televisão e ajudar a defender as reformas propostas pelo governo. "Você não é meu amigo?", perguntou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme o relato que Ratinho faz do encontro.
Em 1990, na primeira visita à residência oficial da Presidência da República, então ocupada por Fernando Collor, o apresentador recebeu tratamento bem mais formal. Recém-eleito deputado federal pelo PRN-PR, o mesmo partido do ex-presidente, Ratinho foi chamado de senhor por Collor, que lhe perguntou protocolarmente em que poderia ser útil.
Nada mais diferente do que o encontro de um mês atrás com Lula, regado na abertura com doses da cachaça mineira Havana, a preferida de ambos.
"Lula é meu amigo. A única coisa ruim do nosso encontro foi aquela cigarrilha fedorenta que ele fuma. Se ele não acertar este país, ninguém vai acertar mais", diz Ratinho, 47, do SBT.

Encontro marcado
A saudação que Lula fez ao apresentador será repetida -talvez em termos mais discretos- em jantar que o presidente deve marcar, provavelmente para o próximo dia 24, com os principais comunicadores populares da televisão.
Os convites para a reunião -prevista inicialmente para o último dia 23, mas cancelada por problemas de agenda- serão endereçados também aos apresentadores Gugu Liberato, José Luiz Datena, Luciana Gimenez, Hebe Camargo, Ana Maria Braga, Luciano Huck, Fausto Silva e Jô Soares, entre outros.
"O Lula tem meu apoio irrestrito porque é meu amigo. Se não conseguir fazer um bom governo, morro abraçado com ele. Não importa quais caminhos tomar, vou ser solidário até o final", afirma José Luiz Datena, 46, do "Brasil Urgente", da Rede Bandeirantes.
Augusto Liberato, o Gugu, apresentador do "Domingo Legal" no SBT, fez a campanha eleitoral do tucano José Serra, mas se mostra simpático à proposta de levar a discussão das reformas à TV.
"Neste momento da vida política, o povo está receptivo a todas as mensagens que emanam do governo, ou seja, o povo tem muita esperança e ouve bem as mensagens enviadas", diz Gugu, 44.
A intenção de Lula é pedir que os apresentadores ajudem a esclarecer na TV as razões e as mudanças que planeja com as reformas tributária e previdenciária.
Esses apresentadores juntos têm uma audiência que, se calculada nacionalmente, grosso modo, fica próxima da casa dos 50 milhões de espectadores.

Dinheiro e capitulação
O objetivo do governo é que as discussões sejam tomadas como de interesse jornalístico, sem pagamento de "merchandising", como fez o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997, durante o processo de privatização do sistema Telebrás, em programas como o do próprio Ratinho.
Mas as emissoras não têm do que reclamar, porque o governo federal dispõe hoje de R$ 113,2 milhões para gastos com publicidade na mídia em geral. No caso da TV, a Secretaria de Comunicação diz que aplicará o dinheiro tendo como critério a audiência. Quem tem mais espectadores recebe mais.
Mais delicada do que a questão financeira, parece ser a de os apresentadores aceitarem encampar a agenda do governo. "Não se trata de apoiar ou não determinado governo. O importante é a função social do comunicador de esclarecer o seu público sobre aspectos complexos da política, levando à grande massa problemas sociais com uma linguagem simples e direta, dirimindo dúvidas e esclarecendo pontos", diz Gugu.

Apoio total
Ratinho afirma que não conhece a proposta da Previdência por inteiro, por exemplo, mas apóia ponto considerado essencial pelo governo, a questão da cobrança de uma contribuição dos servidores públicos inativos.
"Depende de quanto ele ganha. De um aposentado que ganha R$ 500, não pode cobrar. Mas, de um que recebe R$ 2.500, pode cobrar um pouco, sim. Não é que pode, mas deve. É a única solução que temos", declara.
José Luiz Datena segue a mesma linha. "A proposta de reforma da Previdência é legal. Há discrepâncias absurdas. Não faz sentido existir aposentadorias de R$ 27 mil. Isso é um buraco sem fundo. Há resistências da máquina burocrática e da direita", opina.
Ratinho vendeu churrasquinho em rodoviária, Gugu foi office-boy, e Datena ganhou a simpatia de Lula quando era apenas um repórter esportivo de rádio. As origens dos três talvez expliquem a contraposição que fazem entre um suposto elitismo de FHC e a qualificação de Lula como "homem do povo" -igual à audiência para a qual falam em seus programas.
Em atos públicos, o presidente tem utilizado um estilo próximo do de programas de auditório. Foi assim que, no dia 29 de maio passado, de microfone em punho, dialogando com uma platéia de metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, criou seu bordão predileto atualmente: a promessa do "espetáculo do crescimento".
Ratinho define como "genial" a performance de Lula e reclama do estilo "empolado" do seu antecessor, a quem define como um "intelectual desses que quer resolver tudo só a seu jeito".
"Cobrei isso quatro anos do FHC. É importante que a gente coloque os projetos numa linguagem que o povo entenda", diz.
Já Gugu vê convergências entre o atual presidente e o anterior. "As formas podem diferir em alguns aspectos, mas a mensagem é a mesma e visa tranquilizar tanto o mercado interno como o mercado externo, positivando a situação econômica brasileira."
Datena chegou a ter encontros com FHC quando este era presidente. "Apesar de ser um social-democrata, amável e simpático, representa a elite. FHC seria um ótimo primeiro-ministro da Inglaterra. Mas tinha aquele distanciamento clássico do povo."

MST e violência
O que mais perturba os apresentadores é a relação do presidente com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) e o que principalmente os distancia de Lula é a questão da segurança pública.
"Estou muito preocupado com o MST. O cara que está desempregado está indo para o MST. Não é só o cara da terra", declara Ratinho. "Todo mundo comenta sobre o Lula usando boné do MST. Não foi uma manifestação de apoio, mas pode ter sido exagero. Porque não se pode apoiar essas invasões absurdas", diz Datena.
Comandando programas fortemente alimentados por casos de violência urbana e com discurso agressivo contra criminosos, Ratinho e Datena se diferenciam na forma como encaram o tratamento dado por Lula à segurança.
"Discuto isso com ele. Ele tem aquele discurso, que acho que o Hélio Bicudo [histórico defensor dos direitos humanos] colocou na cabeça dele: "Temos de resolver a questão social, porque o pai de família desempregado faz umas loucuras". Discordo. Pai de família sério não vai pegar uma arma para assaltar. Vai pedir, mas não vai assaltar. Essa diferença nós temos", afirma Ratinho.
Datena segue uma linha mais amena. "A questão da segurança não é policialesca. É social. Não vai se resolver em seis meses, nem mesmo em 50 anos. O problema social deságua na violência. Tolerância zero é uma bobagem criada nos EUA. Lá prendem negro, latino, sem-teto. Se for usada aqui, não sobra ninguém."

Pedro Caroço
A complacência com o governo Lula é a tônica, com poucas exceções. "Ele está com um time muito bom. Não sou PT, sou Lula e sou José Dirceu", afirma Ratinho, que se refere ao ministro-chefe da Casa Civil como Pedro Caroço, apelido pelo qual era conhecido quando se escondia do regime militar, no interior do Paraná, Estado de origem do apresentador.
A restrição que ele faz é à ministra da Assistência Social. "A Benedita [da Silva] acho ruim para caramba. É só discurso. Marcam reunião para marcar reunião", graceja.
A depender dos comunicadores, a discussão sobre a reforma em seus programas terá como atração o próprio presidente.
"Lula tem as características de um comunicador. Fala o que pensa sem a defesa natural que os políticos treinados têm. Não tem barreiras", diz Datena.
Rindo, Ratinho manifesta preocupação quanto a uma eventual concorrência. "Meu medo é de o Lula sair da política e querer fazer televisão no meu horário. Ele tem o estilo que o brasileiro gosta."



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