São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Homens em tempos sombrios

Folha reúne Martin Amis, Ian McEwan e Paul Auster para discutir livros e política

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Eles dizem que têm muito pouco em comum. Conversa fiada. O trio nasceu no mesmo bocado de história, ocupa lugar cativo entre os maiores autores de suas línguas e divide, nos dias de hoje, motivação literária gêmea: os três estão escrevendo obras sobre "os tempos sombrios que vivemos".
Os ingleses Martin Amis, 55, e Ian McEwan, 56, e o americano Paul Auster, 57, têm uma quarta coisa em comum. Perambulam neste exato momento pelas mesmas calçadas pedregosas de Parati, onde são aguardados como as maiores atrações da Festa Literária Internacional da cidade, a Flip, que começa amanhã.
Outra coisa em comum: antes de viajarem para o litoral fluminense, falaram em conjunto para a Folha, bebericando cada um seu drinque predileto no saguão do hotel Fasano, em São Paulo.
Num 4 de julho em que preferiram assistir à final da Eurocopa a comemorar o Dia da Independência dos EUA, os três escritores falaram animados sobre como estão desanimados com a política mundial e sobre como suas literaturas pretendem fotografar esses tempos sombrios. Leia trechos.
 

Folha - Existem coisas em comum entre a literatura de vocês três?
Paul Auster -
Tirando o fato de sermos contemporâneos...

Ian McEwan - Fazemos a escadinha, 1947, 1948, 1949.

Auster - Fora isso, vejo muito poucas conexões, a não ser o fato de escrevermos em inglês.

Martin Amis - Escritores não tentam fazer a mesma coisa. E, quando tentam, o resultado é artificial. Não estamos tentando escrever o livro um do outro. A única obra que todos tentamos escrever tem o título "O Jeito que Vivemos Hoje". Buscamos esse romance por caminhos diferentes.

Auster - Boa resposta. O principal motivo porque nós três estamos aqui é que não escrevemos o livro dos outros. E a única razão pela qual escritores querem escrever, e leitores querem ler, é achar coisas que são diferentes de todo o resto. Para o bem ou para o mal, isso se aplica a nós. Ninguém escreve como Ian, ou como Martin.

Folha - Como vocês imaginam que a ficção de hoje, em inglês, vai ser conhecida daqui a 40 anos?
Amis -
A literatura inglesa era um bocado estúpida, muito pós-imperialista. De repente, começamos a viver um bonito momento de miscigenação com autores das antigas colônias. Eles nos deram cores. Ficamos como o Brasil.

Auster - Na América sempre tivemos o vigor da literatura dos imigrantes. Agora vivemos uma onda de autores americanos de origem russa. Os imigrantes russos dos anos 80 estão escrevendo sobre sua experiência americana.

Amis - No século 19, quando a Inglaterra era o centro do mundo, nossa ficção predominou. É isso que está acontecendo agora na América, desde a segunda metade do século 20. A ficção americana reflete a confiança, a luz do país.

Folha - Queria lembrar um texto de Auster no qual ele fala que os escritores que o interessam são os mesmos que ele admirava quando era jovem. Vocês sentem o mesmo?
McEwan -
Dos vivos acho difícil encontrar algo que ultrapasse um tríptico utópico Saul Bellow, Philip Roth e John Updike.

Auster - O que quis dizer é que você se forma como escritor muito jovem e os autores que te marcam são mais velhos; aí você atinge um determinado estágio em que pouca coisa que você lê pode mudar sua relação com sua obra.

Amis - Também é mais difícil ler os jovens. Os mais velhos tiveram sua reputação provada pelo tempo. O tempo é o único juiz. Os jovens ainda não foram testados.

Folha - Vocês lêem os jovens?
Amis -
Leio um pouco. O gosto do que está acontecendo é ditado por aqueles com 35 anos. É muito bom provar do sabor do mundo.

Auster - A América segue produzindo bons poetas. É uma pena que sejam marginalizados, como a boa poesia dos Estados Unidos sempre foi. Ezra Pound teve edições de apenas 57 cópias.

Amis - Não há Pounds por aí.

McEwan - E Seamus Heaney?

Amis - Sim, mas ele tem uns 60 anos. O mundo hoje está muito acelerado, e o que o poeta faz é parar um pouco o mundo, como faz o jogador de xadrez ao acionar o relógio. Como se dissesse: "Espere, agora vamos examinar isso".


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Flip: Já surgimos "não-inocentes", afirma Amis
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.