São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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BIA ABRAMO

"Casseta" chega a impasse histórico


O que esse grupo de comediantes fazia era expor o nervo das fraturas sociais do país

O QUE será que aconteceu ao "Casseta e Planeta, Urgente!"? Basicamente, o programa anda se arrastando, com piadas velhas, audiência em declínio, falta geral de vigor e de idéias. É possível levantar algumas hipóteses para tentar decifrar o porquê desse ar de decadência, mas um certo esgotamento histórico parece responder, de uma tacada só, várias delas.
O "Casseta" surgiu do "TV Pirata", que, por sua vez, é a aventura televisiva do "Planeta Diário", semanário que mudou os parâmetros de humor nos anos 80. De alguma maneira, todas as produções dessa linhagem inverteram a equação do humor a partir do final dos anos 70. Retomando, de certa forma, a esculhambação do "Pasquim", o "Planeta Diário" revolve o humor político em sentido quase que oposto ao da imprensa de resistência e, de quebra, revela um sentido de comicidade das contradições do cotidiano brasileiro, de forma menos edulcorada, mais "da rua" que seus antecessores.
Se a expressão "antipoliticamente correto" não estivesse tão eivada de usos e interpretações tão equivocadas hoje em dia, seria o caso de usá-la para explicar a novidade trazida pela turma de Bussunda.
Acontece que, àquela época no Brasil, nem havia como ser politicamente correto, uma vez que estávamos saindo de um período em que nem mesmo os direitos básicos de democracia estavam garantidos, portanto, a correção política à americana era como que um luxo distante dos países desenvolvidos.
O que esse grupo talentosíssimo de comediantes fazia era sim expor o nervo das fraturas sociais brasileiras -o machismo, o racismo, o sexismo, a profunda divisão e hostilidade entre as classes- e, ao mesmo tempo, não aderir a nenhum dos projetos conciliatórios, despejando o mesmo sarcasmo às soluções da esquerda e da direita.
A fonte era tão caudalosa que sobreviveu por mais de 20 anos. Só que agora isso parece ter, de alguma forma, começado a girar em falso. A ironia com o poder cede lugar à exploração pesada e, muitas vezes, vulgar dos cacoetes dos governantes; aquele frescor crítico que não poupava nada se transformou na exploração dos preconceitos naquilo que eles têm de mais óbvio.
Há que considerar, é claro, a perda de Bussunda pouco menos de dois anos atrás. Ele era uma espécie de gênio desse humor "cassetiano" e encarnava, como poucos, as suas contradições: fino de inteligência, esculhambado como só ele, capaz de tornar qualquer grosseria engraçada. Não se trata de mitificá-lo, mas com certeza sua morte prematura precipitou as coisas.

biabramo.tv@uol.com.br


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