São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2005

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"Livro é antídoto contra caretice"

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a entrevista exclusiva dada por Walter Salles à Folha. (SD)

 

Folha - Por que você, por que "On the Road" e por que agora?
Walter Salles -
Não é difícil entender por quê: a geração de Coppola não foi só marcada por "Pé na Estrada". Foi redefinida pelo movimento beat que o livro de Kerouac anuncia. Da mesma forma, os movimentos libertários dos anos 60 são uma herança direta dos "beats". Eles são a transição entre o patriotismo dos anos 40 e a rebeldia dos anos 60.
O livro exprime a insatisfação com a América puritana e sela a vitória da experimentação sobre a ordem. Todos os valores do pós-guerra, a religião, a monogamia, a sociedade de consumo, são colocados em questão. Dean, um dos dois personagens principais do livro, não compra nada. Rouba, usa, deixa na rua. Era uma época em que intelectuais desrespeitavam a lei e criminosos eram cultos. Uma época em que a distância entre intelectuais, marginais e trabalhadores era menor.
Penso que o livro é tão atual hoje quanto nos anos 50, por uma razão básica: a América do Norte voltou a ser tão puritana e dogmática quanto foi nos anos que precederam a Guerra Fria. É o mesmo tipo de fundamentalismo, a mesma cultura do medo. Mais: difundiu-se a idéia de que experimentar é algo perigoso, melhor viver as experiências dos outros por meio da "reality TV".
"Pé na Estrada" bate de frente com isso. O livro fala de tudo o que é hoje considerado "inseguro". Trepar, experimentar drogas, explorar territórios desconhecidos. Pular sem rede, ultrapassar o limite de velocidade. É um rito de passagem, um manual de sobrevivência essencialmente inconformista. Daí o desejo que tive de aceitar o desafio, por mais difícil.

Folha - Falou-se de Jose Rivera como roteirista, Billy Cudrup como Neal Cassady, Scarlett Johansson ou Chloë Sevigny como Joyce Johnson, Colin Farrell como Moriarty...
Salles -
Quanta criatividade... a única informação correta é a de Rivera, que está escrevendo a adaptação. A idéia é trabalhar com atores desconhecidos, pela idade dos dois protagonistas [21 anos] e também porque esse filme só fará sentido se for feito com baixo orçamento, de forma urgente e independente.

Folha - Quando você leu "On the Road" pela primeira vez e qual o impacto? E pela última?
Salles -
Li o livro quando tinha 20 anos e voltei a ele esporadicamente. A última foi logo depois de "Diários de Motocicleta" -não quis relê-lo antes de filmar, aliás, por causa dos vasos comunicantes que existem entre as duas narrativas. Gostei ainda mais na última leitura, porque me pareceu mais pertinente que nunca. Talvez por ser um antídoto contra a caretice reinante hoje nos EUA...

Folha - Será convencional, no sentido de uma adaptação de um livro, ou um docudrama?
Salles -
O método será parecido com aquele que segui para fazer "Diários", um processo de aproximação. A idéia é começar fazendo um documentário sobre a herança política dos beats, para entender por que o movimento é pertinente hoje. Vários expoentes daquela geração estão vivos, assim como as mulheres que inspiraram os dois personagens femininos mais importantes do livro. Esses depoimentos vão irrigar o roteiro. Ainda é cedo para dizer se as cenas documentais vão ser incorporadas depois na narrativa ficcional, mas é possível, sim.

Folha - Coppola já imaginou fazer este filme ele mesmo em 16 mm e P&B. Por que desistiu? Acha que ele voltará a dirigir?
Salles -
Talvez porque os interesses de um realizador mudam, e os filmes que fazemos muitas vezes na cabeça passam a existir, não precisam mais se concretizar. Coppola tem razão, "Pé na Estrada" pede uma filmagem em 16 mm, câmera na mão. Tenho certeza de que voltará a filmar. Que eu saiba, tem dois projetos. Um é um filme de baixo orçamento.


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