|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DRAUZIO VARELLA
As cinco teorias de Darwin
Exceção feita à Bíblia, nenhum livro influenciou mais
a filosofia do homem moderno
quanto "A Origem das Espécies",
de Charles Darwin.
Até sua publicação, em 1859, o
pensamento científico não oferecia alternativa à visão religiosa;
ao contrário, era inseparável dela: o Criador havia estabelecido
as leis que regem o Universo e
criado todas as formas de vida na
Terra num único dia.
Numa época em que a cultura
ocidental entendia ser o homem
criado à imagem e semelhança de
Deus, é possível imaginar a agitação intelectual causada pela idéia
de que a vida na Terra seguia um
fluxo contínuo de evolução, resultado da competição pela sobrevivência que geração após geração
se encarrega de eliminar os menos adaptados? E, pior, esquecer o
sopro divino e admitir que a espécie humana pertence à ordem de
primatas como chimpanzés, micos ou gorilas!
Darwin era um observador tão
criterioso e as conclusões que tirou foram tão primorosas que os
avanços científicos dos últimos
150 anos só fizeram comprovar o
acerto de suas idéias. Da anatomia dos dinossauros ao capricho
microscópico das proteínas que se
dobram dentro de nossas células,
todos os fenômenos biológicos
obedecem à lei da seleção natural.
Na verdade, Charles Darwin e
Alfred Wallace, trabalhando independentemente, descobriram
um mecanismo universal, uma lei
que rege não apenas a vida entre
nós mas a que porventura exista
ou venha a existir em qualquer
canto do Universo.
Qual a razão pela qual pessoas
que aceitam com naturalidade o
fato de a Terra girar ao redor do
Sol ainda hoje rejeitem os ensinamentos de Darwin?
Ernst Mayr, considerado "o
Darwin do século 20", atribui essa
dificuldade ao desconhecimento
de que a teoria de Darwin não é
única, mas pode ser decomposta
em pelo menos cinco outras:
1) Teoria do ascendente comum
Na viagem às ilhas Galápagos,
Darwin verificou que o formato
do bico de três espécies de pássaros locais sugeria serem eles descendentes de um ancestral que
habitava o continente. Ciente de
que a evolução não cria mecanismos particulares para qualquer
espécie, entendeu que esse ancestral devia descender de outro:
"Todas as nossas plantas e animais descendem de algum ser no
qual a vida surgiu antes". Nenhuma das teorias de Darwin foi
aceita com tanto entusiasmo como esta, porque dava sentido à
semelhança entre os seres vivos, à
distribuição geográfica de certas
espécies e à anatomia comparada. Um século mais tarde, ao demonstrar que os genes das bactérias são quimicamente iguais aos
das plantas, dos fungos ou dos
vertebrados, a biologia molecular
ofereceu a prova definitiva de que
todos os organismos complexos
descendem de seres unicelulares.
2) Teoria da evolução como tal
Segundo ela, o mundo não se
encontra em equilíbrio estático,
as espécies se transformam no decorrer do tempo. A existência dos
fósseis e as diferenças entre o organismo dos dinossauros e o das
aves, únicos dinossauros sobreviventes à extinção, ilustram com
clareza o que chamamos de evolução das espécies.
3) Gradualismo
As transformações evolucionistas ocorrem gradualmente, nunca aos saltos. Para explicar como
as espécies em nossa volta estão
muito bem adaptadas às condições atuais, Darwin encontrou
apenas duas alternativas: teriam
sido obra da onipotência de um
Criador ou evoluído gradualmente segundo um processo lento
de adaptação: "Como a seleção
natural age somente através do
acúmulo de sucessivas variações
favoráveis à sobrevivência, não
pode produzir grandes nem súbitas modificações; ela deve exercer
sua ação em passos lentos e vagarosos".
4) Teoria da multiplicação das
espécies
Calcula-se que existam de 5 a 10
milhões de espécies de animais e
de 1 a 2 milhões de espécies de
plantas. Darwin passou a vida
atrás de uma explicação para tamanha biodiversidade e propôs
pela primeira vez o conceito de
que a localização geográfica seria
responsável pelo surgimento das
espécies. Embora mereça esse crédito, Darwin não foi capaz de perceber com clareza a importância
do isolamento geográfico no aparecimento de espécies novas. Hoje, sabemos que indivíduos isolados por tempo suficiente da população que lhes deu origem podem
acumular tantas mutações que
passam a constituir uma espécie
nova incapaz de acasalar-se com
os ascendentes.
5) Teoria da seleção natural
Foi o conceito filosófico mais revolucionário desde a Grécia antiga. Segundo Darwin, a seleção
natural é resultado da existência
da variabilidade genética, que assegura não existirem dois indivíduos exatamente idênticos, em
qualquer espécie. Como conseqüência da vida num planeta
com recursos limitados, a competição pela sobrevivência se encarregará de eliminar os mais fracos.
A seleção natural varreu o determinismo que dominou a biologia desde a Antigüidade, segundo
o qual cada espécie existiria para
atender a determinada necessidade. Só então foi possível abandonar interpretações sobrenaturais para explicar o mundo orgânico.
A seleção natural é um mecanismo universal inexorável,
alheio a qualquer finalidade, imprevisível como a própria vida.
Texto Anterior: Ciência: Especial debate legado de Albert Einstein Próximo Texto: Artes plásticas: Gilbert e George levam suas estripulias à Tate Galery Índice
|