São Paulo, quinta-feira, 06 de agosto de 2009

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NINA HORTA

Não há hora certa para os livros


É para ser lido saboreando e pensando numa pesquisa para rastrear a identidade da cozinha brasileira


BOM, VAMOS acabar os livros que haviam me escapado. Lembrem-se, esse tipo de livro não tem hora, aliás, livro não tem hora de ler, pode ser um mês antes, décadas depois, não tem furo nem pressa. E se passarem centenas de anos, vira clássico ou história. Não fez a receita em 2008? Faça em 2009. Não sabia da existência do Ferran Adrià? Pois fique sabendo, lugar para jantar lá você não conseguiria mesmo. É assim.
É um absurdo que não tenha lido esse livro antes. O Carlos Alberto Dória me falou nele, twittando, mas passou batido. Geralmente leio antes de ser traduzido, mas, dessa vez, o Senac me pegou. Quem estará fazendo a consultoria para os livros do Senac? Um belo trabalho, de dar orgulho! Coisa boa, sempre!
"A Moderna Cozinha Japonesa: Comida, Poder e Identidade Nacional", 373 páginas, de Katarzyna J. Cwiertka. Quase sempre, quando pegamos um livro de fôlego, lemos com prazer, refletimos e dá aquela dor no coração. Mas por que não temos uma pesquisa dessa feita aqui, em São Paulo, no Brasil? E nesse livro, temos! A apresentação é do Arnaldo Lorençato, que há tempos vem estudando a imigração japonesa no Brasil. E principalmente a transformação dos primeiros restaurantes japoneses até chegarem a tomar o espaço que hoje ocupam.
Nada de linguagem acadêmica nem notinhas de pé de página, é um bom escritor contando como se deu essa história do hashi, do sushi, coisa que se tornou, diríamos, aditiva. Tem gente que, se não comer "japonês" pelo menos uma vez por semana, enlanguece. Muitos de nós vamos nos lembrar desse começo, e acho até que descobri, coisa que sempre me deixou curiosa, onde era o restaurante por onde passei no Rio, lá pelos anos 60.
Vi que era japonês, me interessei, entrei, sentei no balcão e tentei pedir uma refeição. O rapaz parecia não me ouvir ou não entender o que eu perguntava. No fim, pegou uma folha de alface, pôs num pratinho à minha frente. Custei a perceber que estava sendo agressivo e demorei a ir embora, mais ignorante ainda do que quando entrara.
Bem, lida a introdução do Lorençato, você já está bem satisfeito. É ótima, mas podem ler o livro que também vale a pena, se o assunto lhes interessa. Não é possível resenhá-lo em tão poucas linhas, mas indicá-lo somente. São sete capítulos que apresentam os sete processos que transformaram a dieta do Japão moderno: 1) a adoção do modelo ocidental para o desenvolvimento político e econômico; 2) a ascensão da nova gastronomia urbana de massa; 3) a modernização do fornecimento de alimentos para o Exército; 4) a reforma das refeições do lar, esforço de guerra e racionamento de comida; 5) as consequências culinárias do imperialismo japonês; 6) múltiplos circuitos de riqueza; 7) a formação de uma culinária nacional e a culinária japonesa torna-se global. É livro para ser lido com vagar, saboreando, fazendo ligações e pensando num trabalho semelhante de pesquisa para rastrear a identidade da cozinha brasileira.
Vamos a mais um. É o tipo de livro que fujo como da peste, por ser um romance que trata de comida. Ou um ou outro, me queixo. É "O Último Chef Chinês", de Nicole Mones, editora Suma de Letras.
Pois me enganei. É um enredo muito bem articulado, de uma viúva chorosa que se vê de repente frente a uma ação para reconhecimento de um filho do marido que morreu na China. Como trabalha numa revista de gastronomia americana e há um trabalho para ser feito lá sobre um concurso de chefs, faz a viagem e encontra o neto do mais famoso autor de um livro clássico de culinária chinesa, livro que ele está traduzindo. E daí não posso contar o resto, mas é divertido, simpático, bem escrito e dá uma boa ideia do que a comida representa na China. Mas é romance açucarado, para quem gosta!

ninahorta@uol.com.br

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