São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2010

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cinema

CRÍTICA AÇÃO

Confuso, "400 contra 1" conta gênese do CV

Filme faz espectador se perder em idas e vindas temporais e explica Comando Vermelho pelo lado dos criminosos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Se tivesse sido feito em 1930, "400 contra 1" seria um filme "totalmente falado", como se anunciava então: um desses em que a imagem era quase a ilustração dos diálogos copiosos com que se buscava demonstrar ao espectador que o filme era, de fato, sonoro.
Se tivesse sido feito em 1960, poderia rivalizar com "O Ano Passado em Marienbad", tais e tantas as idas e vindas no tempo propostas pela montagem (ou pelo roteiro?), nas quais o espectador se perde facilmente.
Como não é uma coisa nem outra, o filme assinado por Caco Souza tende a ser visto como a tentativa um tanto confusa de observar o surgimento do crime organizado no Brasil, isto é, a origem do Comando Vermelho.

ENCONTRO
Admita-se: não foi um parto simples. Existe ali o encontro entre as condições desumanas a que eram submetidos os presos comuns na Ilha Grande com os presos políticos, que lhes fornecem a, digamos, base teórica para criar uma organização. A história já foi contada, pelo lado da guerrilha, em "Quase Dois Irmãos" (2004), dirigido por Lúcia Murat.
Ali, os guerrilheiros ensinavam aos bandidos princípios de organização militar, com vistas a resistir à tirania dos guardas. Mal pensavam que os ensinamentos resultariam no surgimento de organizações criminosas capazes de, mais eficientemente do que eles, desafiar o poder instituído.
Vista do lado dos bandidos, contada por William da Silva Lima, dito "professor", a história traz contradições não menos interessantes. Exemplo: os presos políticos são chamados de "pequenos burgueses" pelos bandidos, o que não deixa de soar como bela ironia. Ou ainda: ao assaltar um banco, os bandidos esclarecem que não querem "dinheiro dos trabalhadores".

O QUE FAZER?
A salada ideológica não vem do filme, mas da realidade. O filme apenas parece se empenhar em produzir outras tantas: hesitando entre filme político, de aventuras, relato confessional e mesmo não renunciando à épica, o longa de Caco Souza passa ao largo de uma questão essencial: o que significa o crime organizado e que atitude tomar (do ponto de vista ético) em relação a ele.
Se busca, ainda que confusamente, mas de forma honesta, descrever quem são essas pessoas tidas em geral como monstruosas, "400 contra 1" passa batido pelo que há de mais urgente nessa história: a gênese do Comando Vermelho e congêneres hoje é irrelevante; o que fazer com eles é a questão.


400 CONTRA 1 - UMA HISTÓRIA DO CRIME ORGANIZADO

DIREÇÃO Caco Souza
PRODUÇÃO Brasil, 2010 COM Daniel de Oliveira, Daniela Escobar, Lui Mendes
ONDE estreia hoje no Anália Franco UCI, Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito
CLASSIFICAÇÃO não indicado a menores de 18 anos
AVALIAÇÃO regular




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