São Paulo, quinta, 6 de agosto de 1998

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Mulheres criaram sociedade e compraram cemitério

da Reportagem Local

"Tradicionalmente, prostitutas e suicidas são enterrados junto a um dos muros nos cemitérios judaicos, para reforçar o estigma de exclusão. É também fugindo disso que as polacas criam seu próprio cemitério", conta a historiadora Beatriz Kushnir.
As polacas de São Paulo criaram sua sociedade de ajuda mútua e compraram seu próprio cemitério, mas agora seus corpos estão enterrados sob lápides que nem sequer trazem seus nomes.
Em 1972, a prefeitura desapropriou o Cemitério Israelita Chora Menino, exclusivo das polacas, sob alegação de abandono. Era verdade.
A Sociedade Feminina Religiosa e Beneficente Israelita fora dissolvida quatro anos antes, por falta de associadas. Estavam todas mortas ou em asilos.
A prefeitura, então, anexou o terreno do Chora Menino ao vizinho Cemitério Municipal de Santana. A Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, então, levou os corpos para o Cemitério do Butantã -mas não inscreveu os nomes das polacas nas novas lápides.
"Isso não deveria ter acontecido", afirma Henry Sobel, 53, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista. Na ocasião, fazia dois anos que Sobel estava no Brasil. "Acompanhei todo o processo e acho que se tratou de discriminação", diz o rabino, que não foi consultado.
"Cada uma delas tinha um nome, mas houve uma decisão da Sociedade Cemitério Israelita de não dar muita atenção a isso. Uma coisa é o ato da prostituição, que condenamos categoricamente. Outra é diminuir o valor da dignidade humana. Para mim, a peça de Hillel ajudará a esclarecer um capítulo nebuloso da história dos judeus no Brasil."
Os diretores da Sociedade Cemitério Israelita da época não puderam ser encontrados pela Folha, mas o atual presidente da entidade, Majer Chil Kochen, afirmou que não pode inscrever os nomes nas lápides sem autorização.
"Quem faz isso são os próprios familiares. Não temos nenhuma objeção se aparecer algum familiar e quiser fazer a inscrição. Nós identificaremos", diz Kochen.
Apesar de não trazerem os nomes, as lápides estão numeradas. E os nomes correspondentes estão nos arquivos da sociedade.
"Esse erro pode ser mudado, desde que haja vontade", diz Sobel. Já o professor de história da USP Nachman Falbel, 66, discorda radicalmente do rabino. "Não compete à Sociedade Cemitério Israelita fazer isso", afirma.
Falbel, que é também diretor de pesquisa do Arquivo Histórico Judaico-Brasileiro, vai além: "Elas foram excomungadas, uma vez que feriram a lei judaica. Não deveriam nem ser enterradas em cemitério comunitário". (IF)



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