São Paulo, quinta-feira, 06 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Bethânia celebra a MPB em auto-homenagem

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Pareceu um espetáculo feito ao léu, talvez às pressas. Maria Bethânia comemorou anteontem, no Rio, com mais de um ano de atraso, seus 35 anos de carreira. Estava cercada de uma constelação impressionante de astros e estrelas da MPB, mas ainda assim tentava driblar a solenidade.
Empenhada num modelo ambíguo de recusa e afago da condição de semideusa da canção, valorizou o improviso, fosse resmungando que havia perdido o roteiro, contando tarde demais a Carlos Lyra que mudara o arranjo de "Primavera" ou tratando Nana Caymmi de "tchutchuca".
Nem a roupa de mera mortal, nem os largos sorrisos diminuíam o medo dos convidados -que vinham em dezenas- diante da voz daquela mulher.
A tríade mágica Caetano Veloso/Gilberto Gil/Chico Buarque, que demarcava início/meio/fim do show, encenou uma homenagem tristonha, melancólica, saudosista. Aí a lembrança: por que não veio Milton Nascimento?
Caetano, primeiro, lembrou a origem de tudo, cantando com a irmã sua "É de Manhã" (65). Então, ciceroneou a jovem Vanessa da Mata, autora da nova "O Canto de Dona Sinhá".
De cara, Bethânia afirmava: o tempo não pára, é preciso abrir vaga para quem o público ainda nem sabe que já chegou. Cazuza não poderia vir, mas pairava no ar.

Gil
Gil, no meio, vinha elegante e sem voz para participar da bela lembrança a sua "Viramundo" (67). Sem querer fazer muita retrospectiva, Bethânia em geral pulava dos anos 1960 diretamente para os 2000, e vice-versa. Faltavam Ivone Lara, Angela Ro Ro.
Por isso saltou da seção de evocação ao show "Opinião" (65), com ápice em "Diz que Fui por Aí" (o telão projetava a imagem de Nara Leão, a mulher que a lançou), diretamente para a profunda delicadeza do dueto com Lenine, em "Nem Lua, Nem Sol, Nem Eu" ("brilhei no seu lugar", cantava ele, acariciando-a).

Chico
Chico Buarque, ao final, relembrou o dueto dos dois em "Sem Fantasia" (75) e esperou a chegada de Edu Lobo para, em novo trio mágico, cantarem a recente "A Moça do Sonho".
Voltavam os 60, no esboço tímido de reunião entre a Maria e o Edu do longínquo LP em duo de 66. João Gilberto não veio, por quê?
É que tudo ficava menos tenso quando Maria cantava sozinha. Foi o que fez de "As Canções que Você Fez pra Mim", de Roberto e Erasmo Carlos, o centro de gravidade da auto-homenagem.
Mas Roberto e Erasmo não vieram, que pena. Rita Lee, Macalé, Paulinho da Viola, Marina, Ben Jor, mas que nada.
Em vez disso, entravam no palco os Caymmi, Nana e Dori, em flagrante de espontaneidade e erros vários. Dada e alcoviteira, Nana roubava a cena, quase. E Gal Costa não veio, não.
Havia aquele pulo no tempo: os anos 70 passavam raspando, os 80 e 90 nem vinham. Imprimiam suas ausências inevitáveis Tom Jobim, Batatinha, Elis, Raul, Clara, Tim, Gonzaguinha, outros mais ou menos improváveis.
Por que tanto vazio? Para que Maria o preenchesse debruçando-se, generosa, sobre Chico César, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina, o injustiçado Renato Teixeira etc. etc.
O mundo se movia, a história não parava nunca.



Avaliação:    


Texto Anterior: Relâmpagos - João Gilberto Noll: Corrupio
Próximo Texto: Erudito: Para fagotista, crise na Osesp é desproporcional
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.