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MÚSICA
Bethânia celebra a MPB em auto-homenagem
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Pareceu um espetáculo feito
ao léu, talvez às pressas. Maria Bethânia comemorou anteontem, no Rio, com mais de um ano
de atraso, seus 35 anos de carreira.
Estava cercada de uma constelação impressionante de astros e estrelas da MPB, mas ainda assim
tentava driblar a solenidade.
Empenhada num modelo ambíguo de recusa e afago da condição de semideusa da canção, valorizou o improviso, fosse resmungando que havia perdido o roteiro, contando tarde demais a Carlos Lyra que mudara o arranjo de
"Primavera" ou tratando Nana
Caymmi de "tchutchuca".
Nem a roupa de mera mortal,
nem os largos sorrisos diminuíam
o medo dos convidados -que vinham em dezenas- diante da
voz daquela mulher.
A tríade mágica Caetano Veloso/Gilberto Gil/Chico Buarque,
que demarcava início/meio/fim
do show, encenou uma homenagem tristonha, melancólica, saudosista. Aí a lembrança: por que
não veio Milton Nascimento?
Caetano, primeiro, lembrou a
origem de tudo, cantando com a
irmã sua "É de Manhã" (65). Então, ciceroneou a jovem Vanessa
da Mata, autora da nova "O Canto
de Dona Sinhá".
De cara, Bethânia afirmava: o
tempo não pára, é preciso abrir
vaga para quem o público ainda
nem sabe que já chegou. Cazuza
não poderia vir, mas pairava no
ar.
Gil
Gil, no meio, vinha elegante e
sem voz para participar da bela
lembrança a sua "Viramundo"
(67). Sem querer fazer muita retrospectiva, Bethânia em geral
pulava dos anos 1960 diretamente
para os 2000, e vice-versa. Faltavam Ivone Lara, Angela Ro Ro.
Por isso saltou da seção de evocação ao show "Opinião" (65),
com ápice em "Diz que Fui por
Aí" (o telão projetava a imagem
de Nara Leão, a mulher que a lançou), diretamente para a profunda delicadeza do dueto com Lenine, em "Nem Lua, Nem Sol, Nem
Eu" ("brilhei no seu lugar", cantava ele, acariciando-a).
Chico
Chico Buarque, ao final, relembrou o dueto dos dois em "Sem
Fantasia" (75) e esperou a chegada de Edu Lobo para, em novo
trio mágico, cantarem a recente
"A Moça do Sonho".
Voltavam os 60, no esboço tímido de reunião entre a Maria e o
Edu do longínquo LP em duo de
66. João Gilberto não veio, por
quê?
É que tudo ficava menos tenso
quando Maria cantava sozinha.
Foi o que fez de "As Canções que
Você Fez pra Mim", de Roberto e
Erasmo Carlos, o centro de gravidade da auto-homenagem.
Mas Roberto e Erasmo não vieram, que pena. Rita Lee, Macalé,
Paulinho da Viola, Marina, Ben
Jor, mas que nada.
Em vez disso, entravam no palco os Caymmi, Nana e Dori, em
flagrante de espontaneidade e erros vários. Dada e alcoviteira, Nana roubava a cena, quase. E Gal
Costa não veio, não.
Havia aquele pulo no tempo: os
anos 70 passavam raspando, os 80
e 90 nem vinham. Imprimiam
suas ausências inevitáveis Tom
Jobim, Batatinha, Elis, Raul, Clara, Tim, Gonzaguinha, outros
mais ou menos improváveis.
Por que tanto vazio? Para que
Maria o preenchesse debruçando-se, generosa, sobre Chico César, Adriana Calcanhotto, Ana
Carolina, o injustiçado Renato
Teixeira etc. etc.
O mundo se movia, a história
não parava nunca.
Avaliação:
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