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Domingos Oliveira tem sua obra em cinema e TV reunida em mostra em São Paulo, a maior já feita
Caminhos do coração
PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Se existe um artista em livre trânsito neste país, ele é Domingos
Oliveira. Não há outro na história
das artes brasileiras que tenha
cruzado por tantos caminhos,
perpassado pelo cinema, teatro,
televisão e literatura, e reunido
prêmios em 11 direções no cinema, mais de 50 no teatro, 22 peças
e dois livros escritos, além de inúmeros trabalhos em minisséries
globais e assinatura de roteiros. O
diretor, entre amanhã e 10 de setembro, estará correndo de lado a
outro, vindo do Rio a São Paulo
para visitar a mostra "Diretores
Brasileiros - Domingos Oliveira",
na qual o CCBB apresenta boa
parte de sua obra no cinema e na
TV (leia destaques ao lado).
Ele vem à cidade também para a
pré-estréia de seu mais recente filme, "Feminices", estrelado por
sua mulher, a atriz Priscilla Rozenbaum, obra que também é vazada por vários elementos extra-cinematográficos e pessoais, algo
perene em sua obra. Ele participará ainda de um debate na outra
quinta, dia 16, no mesmo espaço
cultural, sobre as linguagens da
TV e do cinema.
E o fôlego atlético deste homem
de 67 anos está agora canalizado
entre a direção teatral e cinematográfica. Há outros dois projetos
de longas-metragens que Domingos pretende levar adiante, caso
consiga patrocínio. Um deles é
um filme noir, "No Brilho da Gota
de Sangue", com Paulo José e Pedro Cardoso. O outro é adaptação
da peça "A Primeira Valsa".
A mostra também é uma chance (valiosa e inédita) de Domingos Oliveira ter sua filmografia
honrada como típica de um cinema de autor. Afinal, ele é mais
lembrado por algumas obras
pontuais no cinema -como seu
maior clássico, "Todas as Mulheres do Mundo" (1967)-, teatro e
TV (o episódio "Vestido de Noiva", para a série "Aplausos", da
Globo), do que pelo conjunto de
sua obra, que aliás mantém forte
coerência artística. Impressionado com a mostra -"Saberei mais
sobre mim do que eu mesmo",
brincou-, Domingos falou à Folha sobre sobre linguagem, sexo,
televisão e política cultural.
Folha - Sua produção é mais lembrada por trabalhos isolados, sobretudo as comédias românticas...
Domingos de Oliveira - Já fiz dramas, mas trabalho essencialmente com a comédia, que me parece
o único modo contemporâneo de
falar sério. Minha obra, na verdade, trabalha muito no esforço para fingir que não é séria. Heidegger diz que o mal do mundo não é
a guerra, o capitalismo, a fome,
mas sim a tagarelice. E as palavras
estão gastas. No final das contas,
eu me levo a sério e sei que sou um
autor.
Folha - "Amores" é um filme de
custo baixo, e que inaugurou seu
retorno à direção em cinema. Como
é a produção de seus filmes?
Oliveira - Na verdade, estou tentando fazer duas linhas de trabalho: uma que dependa dos outros
e outra que só dependa de mim.
"Feminices", que é adaptado da
peça de Clarice Niskier, saiu do
meu bolso, custando até agora R$
18 mil. Precisamos de R$ 300 mil
para o lançamento. Rendendo,
vai pagar seus sócios e as pessoas
que trabalharam de graça. É o tipo
de dívida que eu não preciso pagar porque são todos amigos. É
um "Filme Zero" (risos). Acho
que é um caminho brasileiro. Tudo que despontou lá fora foi pelo
filme de autor, de arte, independentemente de ser ou não de
grande orçamento. Não tem sentido patrocinar filmes ou peças,
mas sim pôr o dinheiro público
na infra-estrutura das atividades,
na organização da atividade.
Folha - O senhor disse certa vez
que seus filmes são previamente
"ensaiados" durante as peças, e os
atores estão preparados para as filmagens. O cinema seria, então, um
meio, uma ferramenta?
Oliveira - Sou diretor, ator, roteirista, fiz iluminação, cenário e até
cantei, mas na verdade sou um escritor. Se não me dessem o cinema para descrever meu mundo,
eu usaria outro meio. Mas é um
instrumento com o qual eu tenho
muita facilidade, eu sei onde botar a câmera. Acho que é da minha geração. E apesar do tom de
improviso que há em meus filmes, acredito na loucura sob controle. Tenho o meu roteiro, fechadíssimo, e é ótimo fazer planos
para poder desobedecê-los. Há algo irônico, pois eu tenho filmado
peças, mas os filmes ficam com
pinta de cinema. E fazendo esses
filmes é que veio a percepção de
que no cinema basta Stanislavski,
conhecer o seu papel. No teatro,
precisamos de todo o Stanislavski
e ainda mostrar que está se fazendo teatro, falar alto, ser expressivo. E o meu cinema, de alguma
forma, mostra um pouco isso, um
cinema em que mostro estar fazendo cinema.
Folha - O senhor dirigiu trabalhos
elogiados na televisão, levando
muitos elementos cinematográficos para a tela pequena. Há diferenças entre as duas linguagens?
Oliveira - Acho que há pessoas
que sabem filmar, e outras, não.
Para mim, é inconcebível colocar
várias câmeras, porque o cinema
é visto sob o olho de uma só pessoa, que é o diretor, que tem de
dar a coerência dele. Nesse sentido, televisão é a mesma coisa. Sua
linguagem ficou presa à câmera
fazendo um plano geral e duas fazendo os plano e contra-plano, e a
TV encheu o saco da gente com
isso. No cinema, tem uma hora
que você cai nisso, mas não é só.
Ali tem milhares de linguagens
além disso. O cinema narra com
mais elementos do que um rosto
que responde a outro. E a TV é
muito árdua, dura, ótima como
escola, mas ruim pra alma.
Folha - Seu cinema lembra um
pouco o de Truffaut, mas há sempre uma felicidade frágil, como se a
psicanálise, o racional, não dessem
conta de explicar sentimentos como o amor ou as crises existenciais.
Oliveira - O único verdadeiro final feliz é se fôssemos imortais. O
homem é um insatisfeito, um desesperado, a condição humana é
uma coisa terrível, o terror e a glória estão presentes o tempo inteiro, mas você tem que saber de que
lado vê a coisa, e é por isso que
meus filmes parecem felizes.
Folha - Por que seu cinema sempre tematiza o amor e o sexo?
Oliveira - O amor é a vocação
humana, o eixo de tudo, o efeito
colateral do sexo (risos). Este me
interessa porque é o assunto do
século, que vem sendo tratado
com liberdade agora. Não há cena
de sexo em Dostoiévski, em Shakespeare. O sexo é, enfim, um assunto moderno por excelência.
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