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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Anjos ou macacos?
Não há cientista sério que, a certa altura da conversa, não convide o interlocutor a procurar o setor de teologia
NO SÉCULO 19, o incomparável
Benjamin Disraeli declarava
no Parlamento britânico
que, entre anjos ou macacos, ele estava do lado dos anjos. A discussão
lidava com as teorias de Darwin, saídas do forno e ainda a queimar a sociedade vitoriana. E se os homens
não fossem feitos à imagem de
Deus? E se os nossos antepassados
estivessem no Zôo de Londres e não
nas páginas do Gênesis?
Um século depois, a luta entre anjos e macacos ainda não parou de
nos assombrar. Nos Estados Unidos,
alguns Estados se recusam a aceitar
as teorias evolucionistas nos currículos escolares, optando antes pelo
criacionismo puro e duro (ou por
versões matizadas de "desígnio inteligente"). E até Bento 16 resolveu
reunir estudiosos na matéria para
analisar e definir a posição da igreja
sobre a matéria. Não fui convidado
para Castel Gandolfo.
Mas, se fosse, diria que a guerra
sempre me pareceu francamente
desnecessária. E desnecessária porque anjos e macacos sempre responderam a questões diferentes, que é
inútil misturar.
A ciência pode, e deve, oferecer
uma resposta processual: saber os
"comos" sempre foi a missão dos laboratórios. Mas nada disso impede
que a religião se ocupe dos "porquês": ainda que a ciência seja capaz
de recuar à primeira partícula do
Universo, haverá um momento de
silêncio radical em que a razão humana é obrigada a recuar.
Não há cientista minimamente
sério que, a dada altura da conversa,
não convide o interlocutor a atravessar a rua e a bater à porta do departamento de teologia. Porque ele
não tem mais respostas: não tem
respostas para o início e para o fim.
E, já agora, para os entretantos
também. Admito que os homens tenham macacos na família. Admito,
aliás, que alguns homens ainda o sejam. Mas existem certos traços da
nossa humanidade a que as teorias
evolucionistas, especificamente
centradas em questões de sobrevivência e reprodução, são incapazes
de responder. Anthony O'Hear, em
"Beyond Evolution" (Oxford University Press, 220 págs.), escreveu
um dos melhores tratados sobre a
matéria ao inquirir como pode o
evolucionismo explicar a nossa busca de conhecimento, de verdade moral e mesmo de experiência estética.
O'Hear não nega que os homens
sejam macacos; mas O'Hear nega
que os homens se comportem como
macacos e, mais, que optem tantas
vezes por caminhos que não apenas
desmentem o evolucionismo como
são contrários a este. Fugir de Atenas talvez fosse solução para Sócrates, mas, ao preferir ficar, Sócrates
não escolheu a sobrevivência (um
fato que tanto incomodava Nietzsche). Questionou, pelo contrário, se
valeria a pena sobreviver de forma
desonrosa.
Os evolucionistas reduzem a atitude de Sócrates a um gesto de fraqueza autodestrutiva? A tese não resolve o dilema: porque, para nós,
seus leitores, intolerável seria que
Sócrates tivesse fugido. De onde
provém este sentido de honra que
suplanta qualquer consideração
evolutiva? Confesso que não sei.
Mas sei que, entre anjos ou macacos,
estarei sempre do lado dos homens.
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