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Biblioteca de fachada
Inaugurada duas vezes no ano passado, construção de R$ 42 milhões não tem livros nem data para abrir; só com energia, gastos mensais são de R$ 125 mil
FÁBIO VICTOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Fincada na Esplanada dos
Ministérios, a 500 metros da
célebre catedral, a Biblioteca
Nacional de Brasília, mais recente projeto de Oscar Niemeyer a tomar forma na capital, foi
inaugurada duas vezes no ano
passado, mas hoje é pouco mais
que um enfeite na avenida-cartão-postal da cidade.
Não há um único livro na estante, não há data para que comece a funcionar e, entre os
muitos obstáculos para que isso aconteça, está a discordância
do escritório de Niemeyer ao
plano dos administradores de
pôr insulfilm nas janelas.
Construída e gerida pelo
GDF (Governo do Distrito Federal), a Biblioteca Nacional
forma, com o Museu da República -este já em funcionamento-, o Conjunto Cultural
da República. Os dois prédios
são a primeira metade do último elemento para finalizar o
projeto original de Niemeyer e
Lúcio Costa para Brasília -faltam um espaço para shows e
um conjunto de cinemas, a serem construídos ali perto.
Dois governadores inauguraram a biblioteca, que custou sozinha R$ 42 milhões ao GDF (o
complexo inteiro ficou em torno de R$ 130 milhões). Em 31
de março de 2006, a inauguração coube a Joaquim Roriz
(PMDB), que viria a ser eleito
senador e posteriormente renunciar ao mandato, para escapar de cassação. Às vésperas de
deixar o cargo, a sucessora de
Roriz, Maria de Lourdes Abadia (PSDB), fez, em 15 de dezembro, a inauguração dela.
Com a presença do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
Já há livros doados, cerca de
10 mil dos 250 mil que a biblioteca poderá abrigar. Ocorre
que, de acordo com a atual direção, o prédio novo em folha não
tem as condições necessárias
para armazená-los.
À parte as rixas políticas que
criam o habitual "jogo de empurra" em transições de governo -o governador José Roberto Arruda (DEM), que assumiu
em janeiro, virou adversário de
Roriz e de Abadia-, uma visita
ao prédio revela que há de fato
inúmeros problemas.
As salas projetadas para o
acervo recebem sol incidente.
Uma parede vazada em tese minimizaria o efeito sobre os livros, mas, segundo a Secretaria
de Cultura do DF, os cobogós
(blocos vazados) foram feitos
mais abertos do que o previsto
no projeto. "Para economizar,
infelizmente, não seguiram o
projeto do Niemeyer, que previa um cobogó menor", afirma
o secretário Silvestre Gorgulho.
A saída encontrada pelo GDF
foi colocar nos 1.700 m2 de área
de vidraças uma película protetora escura. Segundo o diretor
da biblioteca, Antonio Miranda, uma licitação no valor de R$
150 mil será aberta nos próximos dias para comprar o material, que, ele afirma, veda 92%
da luz.
Ao ser informado do plano
pela reportagem, o escritório
de Niemeyer reagiu com espanto. "No nosso projeto, não
tinha insulfilme, jamais colocaríamos, não é adequado. Eles
têm de nos consultar. É melhor
uma tela ou proteção interna",
queixou-se Jair Valera, colaborador de Niemeyer que desenvolveu o projeto.
Consultado, o próprio Niemeyer, que em dezembro fará
cem anos, disse não saber do
caso. "Eu gosto muito da biblioteca, porque ela está defronte ao museu [da República]
e combina bem. É uma biblioteca moderna, com tudo o que
é preciso, mas desse detalhe eu
não estou a par", afirmou.
Desperdício
A ausência ou inadequação
de equipamentos essenciais
para a biblioteca funcionar escancaram o desperdício de dinheiro público: o prédio foi entregue na gestão passada com
um sistema contra incêndio do
tipo sprinkler (esguichos de
água no teto), mas a atual diz
que terá de trocá-lo. "Com esse
[sistema], se você salvar os livros do fogo, não salva da água",
explica o diretor Miranda.
Será preciso colocar portas
de segurança. Há ainda divergências de, digamos, visões de
mundo, entre os que inauguraram o prédio e os atuais administradores. Miranda não gostou do layout dos espaços para
leitura, divididos em salas individuais. Vai pôr as divisórias
abaixo e criar salas coletivas.
"O governo anterior não
inaugurou uma biblioteca, mas
um prédio vazio", dispara Miranda, que, como o secretário
Gorgulho, faz questão de isentar o escritório de Niemeyer de
responsabilidade.
Até que a biblioteca funcione
-não há prazo, mas a certeza
de que só no ano que vem-, o
GDF vem gastando para manter o prédio. Só com energia,
são em média R$ 125 mil por
mês. Nove funcionários dão
expediente no prédio, além de
dez seguranças por turno na
vigilância.
Os secretários de Cultura das
gestões passadas divergem em
relação às causas. Enquanto o
de Roriz se isenta, faz coro à
atual gestão e alfineta a gestão
Abadia, o secretário desta alega
que a obra foi entregue de acordo com o contratado.
Nem tudo parado
A Biblioteca Nacional é uma
obra grandiosa, com quatro andares, 120 m de comprimento e
10 mil m2 de área construída.
Em formato retangular, o pavilhão faz contraponto ao Museu
da República, este uma cúpula
convexa semelhante a muitas
projetadas por Niemeyer. Estão separados por 50 metros, e
entre eles há uma praça com
três espelhos d'água e um prédio para restaurante.
Apesar dos obstáculos que
impedem a abertura ao público, já funciona no local uma
pequena parte de um ambicioso projeto -o primeiro módulo
de um centro de inclusão digital, fruto de parceria do GDF
com o Ministério de Ciência
e Tecnologia. Um salão de
exposições também está em
atividade.
O diretor diz ter acordos com
universidades e editoras, e o
apoio da Câmara Brasileira do
Livro e da Unesco para doação
do acervo.
"Recebo rapidamente 150
mil livros, o problema é preparar o prédio. Além disso, nossa
biblioteca digital será das mais
avançadas do país, vamos produzir e disseminar conteúdo
para escolas. Há parcerias com
os ministérios da Educação e
da Cultura, a Rede Nacional de
Pesquisa, o Ibict [Instituto
Brasileiro de Informação em
Ciência e Tecnologia] e a UnB
[Universidade de Brasília].
Vencida essa etapa, não tenho
dúvida de que teremos um centro cultural de vanguarda", empolga-se Miranda, escritor e
professor do Departamento de
Ciência da Informação e Documentação da UnB.
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