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LIVROS
Crítica/"O Dom"
Autora indiana é subjugada por sua própria história
VIVIEN LANDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O
primeiro livro a gente
nunca esquece. Pois sai
nele tudo o que fomos
até ali, o que guardamos os anos
todos antes de virar escritor, se
é que isso se vira. No romance
de estréia vem quase sempre
embutida a biografia do autor
-e os sonhos que permitem
mudá-la à vontade, o recém-descoberto milagre da literatura e da arte: alterar a realidade.
Para o bem e para o mal.
Para o bem, há casos contemporâneos como o do americano
Jonathan Safran Foer e seu
"Tudo se Ilumina" (Rocco), escrito aos 25 anos com a garra
dos 12, a imaginação dos 30 e a
sabedoria dos 80.
Ou o do indiano Vikas Swarup, que, aos 44, finalizou "Sua
Resposta Vale um Bilhão"
(Companhia das Letras), no
qual faz um eloqüente painel da
Índia, com cores e cheiros e
sentimentos e religiões, deixando qualquer turista louco
para desembarcar em Nova Déli. Índia é tudo aquilo e um pouco mais, sabem bem os ocidentais, que andam devorando e
premiando os livros de escritores indianos.
Nikita Lalwani, porém, deixa
escapar a sua tartaruga mágica
(como dizem os chineses, não
os indianos) e, após um aperitivo apimentado, no qual parece
que vai falar de seu país natal,
volta ao País de Gales, onde,
aliás, viveu desde que tinha um
ano de idade. Ali, encurrala sua
protagonista pré-adolescente.
Rumika tem lembranças boas
da primeira viagem à Índia e ficamos torcendo para que, na
seguinte, a promessa se realize.
Mas nada acontece além de
alguns beijos próprios à idade.
Ela é uma superdotada para os
números, e o pai a obriga a estudar noite e dia para entrar em
Oxford aos 15 anos, sabe-se lá
para quê. No desejo de afirmação do imigrante de Terceiro
Mundo, Mahesh Vasi destroça
a infância da filha, esquecendo
a regra número um da educação: é brincando que se aprende. Ao se deparar com o mundo
universitário, ela simplesmente esquece tudo o que supostamente deveria saber. E foge.
Passagem à puberdade
Ou seja, Lalwani, 34, que nasceu no Rajasthan, cresceu em
Cardiff e mora atualmente em
Londres, fala simplesmente de
uma passagem à puberdade
que poderia ter ocorrido em
qualquer lugar dito civilizado, a
começar pela Grã-Bretanha, a
"grande colonizadora".
Sem se aprofundar nos embates dessa fase, nem no controverso conceito de superdotado, nem no enorme confronto entre europeus e imigrantes,
e, principalmente, sem se ater
aos mistérios do hinduísmo, "O
Dom" fica aquém de um grande
primeiro livro. O que talvez facilite a chegada ao mercado de
"The Village", com previsão de
lançamento para 2009.
Diz-se em teatro que, quando
a estréia é retumbante, o temido segundo dia tende a cair.
Com o segundo livro ocorre o
mesmo. Neste caso, é possível
que suceda o inverso, e reencontremos uma escritora finalmente libertada de sua história
particular e da geografia que
parece tê-la subjugado.
O DOM
Autora: Nikita Lalwani
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 34,90 (336 págs.)
Avaliação: regular
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