São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

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BIA ABRAMO

Minisséries, teatro e televisão


Em "Trago Comigo", a vida no palco surge como maneira de contar história de verdade maior


É A SEGUNDA deste ano: uma minissérie de TV, dirigida por um cineasta, que tem uma montagem teatral como núcleo da história. Talvez seja mera coincidência, talvez não: tanto em "Som e Fúria", de Fernando Meirelles, como em "Trago Comigo", de Tata Amaral, o teatro aparece como uma maneira de contar história que carrega, digamos, uma verdade maior do que a dos meios audiovisuais.
Mostrando o processo de concepção e construção do espetáculo, é como se o autor fizesse o espectador se deter mais em como são feitas as histórias e não em seu "resultado" final.
Seria, portanto, uma maneira de não entregar de bandeja o ouro ao bandido e sim fazê-lo construir, pouco a pouco, a história e seu sentido.
Param por aí, entretanto, as semelhanças entre "Som e Fúria" e "Trago Comigo", cujos quatro capítulos serão reexibidos semanalmente a partir de hoje pela TV Cultura (às 22h; classificação: 16 anos).
Na minissérie de Tata, esse recurso de contar uma história dentro de uma história serve também a um de seus temas centrais: a recuperação da memória da tortura.
A série trata de um diretor de teatro, Telmo, que começa a montar uma peça sobre sua experiência com as insistentes perguntas sobre Lia, companheira e amante do passado. No grupo de jovens atores que se reúne em torno de Telmo, está a atual namorada, que não compreende sua distância amorosa, nem sua relutância em falar de sua história.
A peça começa a ser montada a partir de suas reminiscências e de sua hesitação em olhar para o destino de Lia, envolta numa espessa sombra de culpa e segredo. Ok, até aqui estamos num roteiro quase convencional sobre esse período. Mas o olhar de Tata, como já havia mostrado em "Antônia", sobretudo a versão para a série de TV, procura as tessituras afetivas. Para além de entender o que aconteceu "realmente" com Lia, o que eventualmente acaba acontecendo, o diretor parte, na verdade, em direção à recuperação de sua afetividade, deixada em cacos em algum momento de 1968.
A intervenção dos depoimentos de pessoas que passaram pela prisão, tortura e exílio, entremeadas na ficção, reforça esse caráter terapêutico do processo de reconstrução da memória: a fala dos entrevistados, mais do que recontar os acontecimentos em si, pontua as dificuldades passadas, presentes e, eventualmente, também as futuras, de dar sentido àquela experiência.
E, na verdade, tinha outra coincidência: além do imbróglio entre cinema, teatro e TV, "Trago Comigo" está entre as melhores realizações da teledramaturgia deste ano.

biabramo.tv@uol.com.br


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