São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

Texto Anterior | Índice

Crítica/dvd/"Acaso" e "Cinemaníaco"

Filmes são Kieslowski em formação

"Cinemaníaco" e "Acaso", lançados agora em DVD, estão entre os primeiros longas de ficção realizados pelo polonês

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Krzysztof Kieslowski (1941-96) começou fazendo documentários. Esse aprendizado deu-lhe a segurança necessária para que, ao encarar a ficção, seu cinema estivesse colado ao real e, ao mesmo tempo, o transcendesse esteticamente.
Dois dos primeiros longas de ficção do diretor polonês chegam ao DVD e atestam o seu rápido amadurecimento como autor de cinema.
"Cinemaníaco" (1979) oscila entre a sátira política e o melodrama pessoal ao narrar a história de um funcionário de empresa estatal (Jerzy Stuhr) que compra uma câmera de 8mm para filmar o nascimento do filho e acaba se tornando, primeiro, o cineasta oficial da firma e, depois, um incômodo documentarista da vida cotidiana de sua cidade.
Já estão presentes ali algumas marcas do futuro criador do "Decálogo": o foco em personagens em situações de impasse, o pendor para as paisagens desoladas, o uso criterioso da câmera na mão.
Mas é em "Acaso", feito em 1981 e interditado pela censura até 1987, que o estilo de Kieslowski começa de fato a florescer. Trata-se da narrativa complexa de três caminhos alternativos para a vida de um estudante de medicina, Witek (Boguslaw Linda).
O "nó de tempo", a encruzilhada de destinos possíveis, é a chegada esbaforida do protagonista à plataforma de uma estação. Numa das alternativas, ele alcança o trem para Varsóvia e se torna um agente do partido oficial do regime comunista.
Nas outras duas, Witek perde o trem e embarca em vidas diferentes: ativista dissidente ou médico apolítico.
Não há aqui o esquematismo que se esperaria do mesmo tema nas mãos de um Ettore Scola. Os tempos alternativos não são compartimentos estanques, e os papéis assumidos por Witek não estão assim tão distantes um do outro.
Não é só no enredo engenhoso que se forja a densidade desse drama sobre os dilemas da ética, do amor e da fé (política, religiosa), mas sobretudo no uso das cores (o violeta, o amarelo) na composição de um espaço dramático profundo e pulsante, cheio de desvãos onde os seres podem se encontrar ou se perder. O "expressionismo cromático" do "Decálogo" e da "Trilogia das Cores" tem talvez aqui a sua bela gênese.


ACASO/ CINEMANÍACO

Diretor: Krzysztof Kieslowski
Lançamento: VideoFilmes
Quanto: R$ 46 (cada um, em média)
Avaliação: ótimo/ bom


Texto Anterior: Ferreira Gullar: Mataram o Velhinho!
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.