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RODAPÉ
Bastidores da invenção
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
No prefácio a "Dez Conversas", de Fabrício Marques, o
escritor Joca Reiners Terron cita
um comentário de Augusto Monterroso, para quem a entrevista
seria "o único gênero inventado
pela modernidade". A frase ironiza a suposta falta de inventividade
do século que pretendeu revolucionar todas as linguagens. Se levada ao pé da letra, porém, revela
um aspecto crucial da arte moderna: é difícil desvincular a obra de
um escritor das propostas estéticas e comentários que ele vai semeando à margem de seus livros,
em depoimentos e entrevistas.
Por isso, um livro que, como diz
o subtítulo, traz "diálogos com
poetas contemporâneos" é um
instrumento precioso para entender melhor os planos de trabalho,
as fontes, as obsessões e, em alguns casos, a distância entre intenção e realização que há na obra
de alguns de nossos poetas.
A seleção dos entrevistados é
desigual. Ao lado de nomes como
Affonso Ávila, Armando Freitas
Filho e Sebastião Uchoa Leite, que
são presença obrigatória em qualquer antologia, estão autores como Edimilson de Almeida Pereira
e Ricardo Aleixo (de recepção
ainda discreta) e Maria do Carmo
Ferreira (que publica desde os
anos 60, mas é inédita em livro).
A inclusão, todavia, se justifica
pelo fato de serem escritores mineiros e de Marques ter feito as
entrevistas, originalmente, para o
"Suplemento Literário de Minas
Gerais". Completam a lista Chacal, Antonio Risério e o iconoclastas Millôr Fernandes e Sebastião
Nunes.
São longos bate-papos que detalham aspectos de cada obra (como o impacto das pesquisas sobre
o barroco na poética de Ávila),
sem prejuízo do humor (Freitas
Filho chamando João Cabral de
"caga-regras genial") ou mesmo
do mau humor (como os comentários ressentidos de Nunes sobre
a crítica, que não combinam com
sua "estética da provocação").
O maior valor dessas "Dez Conversas", porém, está nas definições epigramáticas que é possível
destilar de cada entrevista -e
que aumentam o repertório de
definições desse objeto cada vez
mais indefinível que é a poesia.
Risério, por exemplo, deduz de
seu trabalho com etnopoesia que
"assim como a antropologia é
uma poética das sociedades, a
poesia é uma antropologia do indivíduo".
E Uchoa Leite identifica a abstração poética a uma ética materialista: "Nem só o capitalismo é
materialista. Poetas e artistas também podem ser, não é? Sem professarem essa monstruosidade.
Sou anticapitalista visceral e sou
materialista. Ao mesmo tempo
gosto de arte e poesia, "cosa mentale", como dizia Leonardo da
Vinci. E aí? É complicado? Mas
para mim é simples. Sou ligado à
matéria do que faço, e essa matéria é a linguagem".
Alguns desses poetas trabalham
e refletem sobre as interfaces da
linguagem verbal com códigos visuais. Por isso a leitura de "Dez
Conversas" pode ser complementada com outro lançamento sobre
os bastidores da invenção: "Ateliês Brasil", do fotógrafo Bruno
Giovannetti e da jornalista Leila
Kiyomura.
O livro também traz dez depoimentos, todos de artistas plásticos
nascidos ou radicados em São
Paulo, como Arcângelo Ianelli,
Maria Bonomi, Antonio Henrique Amaral, Tikashi Fukushima,
Evandro Carlos Jardim, Amélia
Toledo e Claudio Tozzi.
As imagens enfocam menos as
obras do que o "habitat" que as
viu nascerem; as palavras dos artistas se referem à construção do
ateliê como extensão de suas telas
e esculturas. O ateliê é o "sertão"
de Aldemir Martins, uma projeção de seu imaginário; o espaço
de trabalho de Tomie Ohtake é
um universo curvo que mimetiza
as superfícies de seus módulos; e
Wesley Duke Lee submerge num
"transatlântico" saturado pelo
amálgama de orientalismo e pop
que salta de suas telas.
Mais do que oficina do artesão,
enfim, o ateliê é um laboratório de
provas, uma miniatura de como o
mundo seria caso fosse criado por
artistas -e não por um mau demiurgo.
Dez Conversas
Autor: Fabrício Marques
Editora: Gutenberg
Quanto: R$ 28,50 (292 págs.)
Ateliês Brasil
Autores: Bruno Giovannetti e Leila
Kiyomura
Editora: Empresa das Artes
Quanto: R$ 99 (176 págs.)
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