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"POETAS FRANCESES DA RENASCENÇA"
Obra resgata frescor de autores clássicos
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Reúnem-se nesta antologia
alguns dos mais célebres e
bonitos poemas franceses do século 16. O leitor talvez hesite, imaginando um excessivo peso de
alusões clássicas e a possível frieza
de versos muito burilados, a que
náiades, ninfas, éolos e amores
acorrem gentilmente. Mas, como
sempre acontece quando vencemos o medo e entramos em contato com os grandes autores do
passado, surpreende o quanto podem ser encantadores, simples e
espontâneos os melhores poemas
deste volume.
Dentre os 16 autores escolhidos
por Mario Laranjeira nesta antologia, Pierre Ronsard (1524-1585)
é certamente o predileto dos leitores de todas as épocas, e não por
acaso. Passados vários séculos,
ainda não há como resistir, por
exemplo, ao célebre soneto em
que Ronsard imagina sua amada
bem velhinha, de noite, fiando na
roca ("Quand vous serez bien
vieille, le soir, à la chandelle..").
Cito por inteiro: "Quando fores
bem velha, à noite, à luz da vela,/
Sentada ao pé do fogo, e dobando
e fiando,/ Dirás, aos versos meus,
e te maravilhando: "Ronsard me
celebrava ao tempo em que era
bela".// Não terás serva então que,
a ouvir notícia tal,/ Ao peso do labor meio cochilando,/ Ao meu
nome não vá logo se despertando,/Bendizendo o meu nome em
louvor imortal.// Eu debaixo da
terra, um fantasma sem osso,/ Pela sombra murtosa acharei meu
repouso; / Tu, ao pé da lareira,
uma velha encolhida,// Vais chorar meu amor e tua soberba vã./
Vive, se me dás fé, não deixes pra
amanhã/ Colhe já, sem temor, as
rosas desta vida".
Ainda prefiro a tradução de
Guilherme de Almeida (que pode
ser encontrada no antigo e excelente "Livro de Ouro da Poesia da
França" -Ediouro). As duas últimas estrofes são como segue:
"Sob a terra eu irei, fantasma silencioso,/ Entre as sombras sem
fim procurando repouso:/ E em
tua casa irás, velhinha combalida,// Chorando o meu amor e o
cruel desdém./Vive sem esperar
pelo dia que vem;/ Colhe hoje,
desde já, colhe as rosas da vida".
O mesmo efeito melodioso das
palavras suspensas entre vírgulas
é todavia alcançado por Mario Laranjeira na tradução de outro
poema famoso de Ronsard:
"Comme on voit sur la branche,
au mois de mai, la rose...", que ficou assim em português: "Como
se vê no ramo, em pleno maio, a
rosa...". O verso parece ondular
também, e nada se perde em português da delicadeza desse poema, em que Ronsard leva ao túmulo de uma moça, morta em sua
"primeira e jovem novidade",
uma oferenda singela e pura: nada mais que "este vaso de leite, este cesto de flores".
Quantas rosas, flores e amores
nesses poemas! Em vez de parecerem gastas e convencionais, nas
mãos de autores como Ronsard,
Du Bellay, Marot ou Malherbe essas coisas surgem também em sua
"primeira e jovem novidade",
com um frescor que, felizmente,
não morre nem um pouco nesta
tradução. Esses autores consolidaram a tradição poética francesa; e talvez o maior encanto da Renascença literária seja o tom quase rústico com que as culturas nacionais ainda adolescentes iam se
apropriando da prestigiosa herança clássica, colorindo-a de
modesta e provinciana graça.
O volume, infelizmente curto,
tem também o mérito de trazer
para o leitor brasileiro nomes
bem menos conhecidos da Renascença francesa: do cruel e divertido Guillaume Bouchet (1526-1606) à suave Pernette du Guillet
(1520?-1545), sem contar Maurice
Scève (o "Mallarmé do século 16",
diz o romancista Tommaso di
Lampedusa) e a apaixonante
Louise Labé, (1525-1565), a quem
Felipe Fortuna já havia dedicado
notável volume de traduções pela
editora Siciliano. Termino com
um soneto dela, na tradução de
Mario Laranjeira:
"Ó belos olhos, brunos, desviados,/ Ó quentes ais, ó lágrimas
vertidas,/Ó negras noites a esperar perdidas,/ Ó dias claros sem
razão tornados!//Ó tristes prantos, votos obstinados,/ Ó penas
gastas, horas despendidas,/Ó
mortes mil em mil redes tendidas,/ Ó rudes males contra mim
fadados!// Ó risos, frontes, braços,
mãos ardentes!/ Ó alaúde, viola e
voz plangentes! Tanto archote a
abrasar uma mulher!// De ti me
queixo: tendo eu fogo tanto,/ Meu
coração apalpas e, no entanto,/
Sobre ti não voou chispa sequer".
Que os leitores brasileiros não
deixem esses apelos sem resposta.
Poetas Franceses da Renascença
Autores: Pierre Ronsard e Clément
Marot, entre outros
Organização e tradução: Mário
Laranjeira
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 24,50 (136 págs.)
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