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FERNANDO GABEIRA
Uma semana para guardar no bolso
Análises aos borbotões. De
todas as telas jorram tentativas de explicar o que houve lá, o
que houve aqui e como tudo isso
pode influenciar nossa vidinha
cotidiana. Um certo distanciamento é necessário. Sempre que
me meti a analisar a sangue-quente, mais projetei desejos do
que realmente aprendi com o processo.
No dia seguinte à eleição de Lula, por exemplo, escrevi que era
possível uma dramática transformação do Brasil e que novos atores iriam surgir na cena, tornando mais fácil a retirada de dinossauros como eu para outras atividades intelectuais. Caso não houvesse grandes coisas no novo governo, voltaríamos ao de sempre.
Nesse caso, a mediocridade da engrenagem histórica também justificava uma retirada.
Não posso afirmar que essa previsão se confirmou. É razoável
admitir, no entanto, que acendeu
a luz amarela, e o país pode voltar
às mãos dos que foram derrotados em 2002. É quase unânime
admitir que há uma polarização
entre dois grandes partidos e que
a disputa pelo poder vai se travar
entre eles e seus aliados.
Alguma coisa fica de fora nesse
raciocínio: a grande esperança
que eletrizou a campanha de
2002. Ela, que recusava o governo
da época, frustrou-se, parcialmente, com o atual. Recolhe-se a
um realismo resignado ou dará
novos sinais de vida?
É possível dizer, portanto, que
ainda existe uma demanda por
transformações mais rápidas e
dramáticas no Brasil. No entanto
nem sempre essas condições sociais conseguem se transformar
em alternativas políticas. E acabam se dissolvendo nas grandes
correntes partidárias que existem
e que, de certa maneira, se mostraram incapazes de responder
plenamente aos anseios da época.
Além de o tempo ser muito curto para alternativas, nossas cabeças sofrem também um certo bloqueio. Falamos mal do Fernando
Henrique, que pediu que esquecessem o que havia escrito. Agora,
falamos mal do Lula, que, por seu
lado, esqueceu o que discursou ao
longo dos anos.
Essas permanentes cobranças
acabam dando a falsa impressão
de que nossas vanguardas políticas têm uma tendência intrínseca
a serem cooptadas, que faz parte
do seu DNA atirar-se nos braços
dos grupos que sempre dão as cartas, como os grandes bancos, por
exemplo.
É preciso redirecionar essa crítica, perguntando, por exemplo, se
não há alguma coisa errada com
nossos programas de transformação. Até que ponto são realistas,
até que ponto interpretam apenas
desejos, mas não estão ancorados
nos dados reais, na real correlação de forças?
Muitas pessoas voltam-se para
o resultado das eleições e as enfocam do ângulo do preconceito popular contra esse ou aquele traço
de personalidade. Como se viessem do povo apenas atitudes conservadoras ou injustas.
Mas, se olharmos as escolhas no
Rio e em São Paulo, veremos que,
de certa forma, elas dizem muito.
Os escolhidos são homens sérios,
estudiosos, dedicados ao exame
dos números e até um pouco desajeitados quando tentam ser populares.
Foram escolhidos pela sua capacidade real de fazer render a
máquina administrativa, muito
mais do que por propostas sensacionais. Essa escolha nas duas cidades parece indicar que uma romântica sonhadora, um pouco
cansada dos amantes que fazem
serenata e prometem orgasmos
monumentais, resolveu se contentar com os previsíveis maridões, que, responsavelmente, vão
tocar os negócios da casa.
Se é esse o resultado da ressaca
de 2002, estamos entrando num
novo período de alternâncias, até
certo ponto natural porque sempre se administram recursos inferiores à expectativa social. Daí o
fascínio da oposição num final de
governo.
Esse raciocínio me leva um pouco aos conservadores norte-americanos, considerados idiotas por
levarem adiante o projeto de
Bush. Tenho lido alguns deles.
David Horowitz, por exemplo,
que se tornou um grande adversário da esquerda. Ele insiste, em
sua cruzada, que a política de esquerda expressa um romance e
bate na tecla da imperfeição humana.
Nem sempre é preciso extrair as
mesmas conclusões dos conservadores, que nos EUA têm uma
grande atividade mental. Mas é
preciso partir da premissa de que
precisamos considerar as pessoas
como são e não como gostaríamos que fossem.
Durante muito tempo, os marqueteiros na política brasileira
exploraram o sonho. À medida
que o processo democrático avança, mas os grandes sonhos não se
cumprem, é possível até que um
excessivo realismo se imponha.
Uma dose de realidade, no entanto, é fundamental para quem
pensa em alternativa. O PT, realizando um bom trabalho na periferia de São Paulo, mostrou que
conhece um dos caminhos da mudança que está no coração de seus
simpatizantes. E o PSDB, através
de Alckmin, afirma que os vitoriosos amassaram o barro das
áreas pobres e não foram aqueles
que escreveram brilhantes artigos
de jornal.
Espero que não tenham nada
contra quem escreve artigos em
jornais. Uma visão antiintelectual que sempre aflora entre os
políticos pragmáticos não prospera nem nos Estados Unidos.
Amassar barro, escrever artigos,
pensar e repensar são faces diferentes de um trabalho único. Resta saber se nos conformamos com
a mediocridade bipolar ou se temos uma recaída de grandes esperanças. Tudo que sei é que alternativas inconsistentes, como a
do Ralph Nader nos EUA, mais
reforçam do que negam a bipolaridade.
Nesta última década, absorvemos uma grande dose de realidade vendo no poder central as duas
grandes forças em confronto. Se
consideramos também o contexto
mundial, é preciso um certo esforço para evitar indigestão, mal-estar e vômito. Seguir adiante, com
esta semana no bolso.
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