São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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CONFLITO NO AR

"Over There", que estréia hoje no Brasil, mostra ficção televisiva de grupo de soldados em ação no Iraque

"Guerra" finalmente chega às telinhas

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu adoro o cheiro de napalm pela manhã." Nenhuma outra frase dita num filme de guerra suplantará esta, disparada pelo tenente-coronel Bill Kilgore (Robert Duvall), na obra-prima "Apocalypse Now", sobre a Guerra do Vietnã, dirigida por Francis Ford Coppola em 1979.
A chave está na data. O diretor foi tocar no tema mais de uma década depois de o conflito ter começado e quatro anos depois de ter terminado, com a derrota até hoje não assumida pelos EUA.
Outro grande diretor havia feito algo semelhante: Robert Altman e seu "M*A*S*H", de 1970, que daria origem a uma celebrada série televisiva, que foi ao ar pela CBS de 1972 a 1983 e reclama para si ainda hoje o maior número de telespectadores de um programa no capítulo final (125 milhões). Mas tratava da longínqua Guerra da Coréia (1950-1953), que, aliás, durou bem menos do que a série.
Guerras, principalmente as invasões duvidosas e recentes, de feridas ainda abertas e sangrando, não são o assunto predileto de Hollywood e suas subsidiárias.
Assim, foi com espanto que os executivos de TV viram um canal de coragem anunciar uma de suas novas séries para a temporada de verão deste ano. O nome era "Over There" (que pode ser traduzido como "Lá Longe", em inglês). O tema, oito soldados norte-americanos em luta no Iraque atual. O canal corajoso: FX.
Estreou no dia 27 de julho de 2005, para 4,1 milhões de telespectadores, um resultado ótimo para a TV norte-americana fechada não-premium (o pacote mais popular, que exclui canais como HBO e Showtime, mais caros).
A boa notícia é que dois episódios de uma hora cada um, o piloto e o seguinte, estréiam hoje, a partir das 21h, no Brasil. Nas semanas seguintes, episódios únicos serão exibidos sempre às 22h, com reprise nas quintas e nos domingos seguintes, às 21h, e uma versão dublada no Telecine Pipoca (segundas, 22h, e sextas, 21h).
A segunda boa notícia é que serão exibidos todos os 13 capítulos da primeira temporada da série. A ruim (que sempre as há) é que a FX anunciou o cancelamento da segunda temporada de "Over There" na última quarta-feira, nos Estados Unidos. Se nenhuma outra emissora assumir o projeto, o que ainda não está descartado, o fato deve juntar brasileiros à legião de órfãos norte-americanos.
Tudo parecia estar certo. A série era do FX, o mesmo que põe no ar uma dos melhores programas policiais da atualidade, "The Shield", que revelou o talentoso Michael Chiklis para o grande público e que, na última temporada, incorporou Glenn Close no seu elenco, e o cruel "Nip/Tuck", sobre o (sub) mundo das plásticas.
Para produzi-lo, foi chamado um mito no meio: o roteirista e produtor nova-iorquino Steven Bochco, 62, o craque que colocou no ar "NYPD Blue" ("Nova York contra o Crime", na versão risível brasileira), outra série longeva, que estreou em 1993, terminou em 2005 e gravou no léxico televisivo o nome do detetive Andy Sipowicz (interpretado com maestria pelo ator Dennis Franz).
A lógica era irretocável.
Em 1993, quando a política de "tolerância zero" da polícia nova-iorquina ainda encaminhava, o maior medo do norte-americano era o crime. Em 2005, pós-11 de Setembro, pós-invasão do Iraque, uma das grandes angústias deste sujeito deve passar pelos 2 mil soldados mortos e os outros 150 mil na ativa em uma guerra sem sentido do outro lado do mundo.
Por que não juntar um grupo destes soldados e torná-los familiares aos telespectadores, mostrando seus dramas, anseios, falta de perspectiva e comando e, principalmente, ignorância quanto à guerra que estão lutando? Foi o que se tentou com "Over There".
Para tanto, outra aposta aparentemente certeira foi agregada ao projeto: a estética "reality-show". Assim, os combatentes aparecem gravando videomails para seus familiares, olhando para a câmera, como nas "salas de depoimento" das séries tipo "Survivor", "BBB".
Não deu certo. A audiência caiu a cada episódio, até que o pouco mais de 1 milhão atual levou a pá de cal à série. "Too close to home", arriscou-se Bochco em sites especializados, citando a expressão que pode ser traduzida como "Muito familiar" (para os telespectadores) -ou seja, por que vou perder meu tempo com uma série de ficção cujo principal assunto ainda está nos telejornais da noite, na CNN e na Fox News?
Era o risco não-calculado da primeira série da história sobre um conflito ainda em andamento. Outra explicação pode ser mais prosaica. Steven Bochco, que não é bobo, concordou com que sua parceira e mulher colocasse no ar, em emissora maior e no mesmo horário, a série "Commander in Chief", com Geena Davis como uma vice-presidente obrigada a assumir a Casa Branca.
"Commander in Chief" roubou espectadores de "Over There". Ou seja: em suas horas de lazer, o americano prefere sonhar com Hillary Clinton na presidência do que com a tigrada no Iraque.

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