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CONFLITO NO AR
"Over There", que estréia hoje no Brasil, mostra ficção televisiva de grupo de soldados em ação no Iraque
"Guerra" finalmente chega às telinhas
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eu adoro o cheiro de napalm
pela manhã." Nenhuma outra frase dita num filme de guerra suplantará esta, disparada pelo tenente-coronel Bill Kilgore (Robert Duvall), na obra-prima
"Apocalypse Now", sobre a Guerra do Vietnã, dirigida por Francis
Ford Coppola em 1979.
A chave está na data. O diretor
foi tocar no tema mais de uma década depois de o conflito ter começado e quatro anos depois de
ter terminado, com a derrota até
hoje não assumida pelos EUA.
Outro grande diretor havia feito
algo semelhante: Robert Altman e
seu "M*A*S*H", de 1970, que daria origem a uma celebrada série
televisiva, que foi ao ar pela CBS
de 1972 a 1983 e reclama para si
ainda hoje o maior número de telespectadores de um programa no
capítulo final (125 milhões). Mas
tratava da longínqua Guerra da
Coréia (1950-1953), que, aliás, durou bem menos do que a série.
Guerras, principalmente as invasões duvidosas e recentes, de feridas ainda abertas e sangrando,
não são o assunto predileto de
Hollywood e suas subsidiárias.
Assim, foi com espanto que os
executivos de TV viram um canal
de coragem anunciar uma de suas
novas séries para a temporada de
verão deste ano. O nome era
"Over There" (que pode ser traduzido como "Lá Longe", em inglês). O tema, oito soldados norte-americanos em luta no Iraque
atual. O canal corajoso: FX.
Estreou no dia 27 de julho de
2005, para 4,1 milhões de telespectadores, um resultado ótimo para
a TV norte-americana fechada
não-premium (o pacote mais popular, que exclui canais como
HBO e Showtime, mais caros).
A boa notícia é que dois episódios de uma hora cada um, o piloto e o seguinte, estréiam hoje, a
partir das 21h, no Brasil. Nas semanas seguintes, episódios únicos serão exibidos sempre às 22h,
com reprise nas quintas e nos domingos seguintes, às 21h, e uma
versão dublada no Telecine Pipoca (segundas, 22h, e sextas, 21h).
A segunda boa notícia é que serão exibidos todos os 13 capítulos
da primeira temporada da série. A
ruim (que sempre as há) é que a
FX anunciou o cancelamento da
segunda temporada de "Over
There" na última quarta-feira,
nos Estados Unidos. Se nenhuma
outra emissora assumir o projeto,
o que ainda não está descartado, o
fato deve juntar brasileiros à legião de órfãos norte-americanos.
Tudo parecia estar certo. A série
era do FX, o mesmo que põe no ar
uma dos melhores programas policiais da atualidade, "The Shield",
que revelou o talentoso Michael
Chiklis para o grande público e
que, na última temporada, incorporou Glenn Close no seu elenco,
e o cruel "Nip/Tuck", sobre o
(sub) mundo das plásticas.
Para produzi-lo, foi chamado
um mito no meio: o roteirista e
produtor nova-iorquino Steven
Bochco, 62, o craque que colocou
no ar "NYPD Blue" ("Nova York
contra o Crime", na versão risível
brasileira), outra série longeva,
que estreou em 1993, terminou
em 2005 e gravou no léxico televisivo o nome do detetive Andy Sipowicz (interpretado com maestria pelo ator Dennis Franz).
A lógica era irretocável.
Em 1993, quando a política de
"tolerância zero" da polícia nova-iorquina ainda encaminhava, o
maior medo do norte-americano
era o crime. Em 2005, pós-11 de
Setembro, pós-invasão do Iraque,
uma das grandes angústias deste
sujeito deve passar pelos 2 mil soldados mortos e os outros 150 mil
na ativa em uma guerra sem sentido do outro lado do mundo.
Por que não juntar um grupo
destes soldados e torná-los familiares aos telespectadores, mostrando seus dramas, anseios, falta
de perspectiva e comando e, principalmente, ignorância quanto à
guerra que estão lutando? Foi o
que se tentou com "Over There".
Para tanto, outra aposta aparentemente certeira foi agregada ao
projeto: a estética "reality-show".
Assim, os combatentes aparecem
gravando videomails para seus familiares, olhando para a câmera,
como nas "salas de depoimento"
das séries tipo "Survivor", "BBB".
Não deu certo. A audiência caiu
a cada episódio, até que o pouco
mais de 1 milhão atual levou a pá
de cal à série. "Too close to home", arriscou-se Bochco em sites
especializados, citando a expressão que pode ser traduzida como
"Muito familiar" (para os telespectadores) -ou seja, por que
vou perder meu tempo com uma
série de ficção cujo principal assunto ainda está nos telejornais da
noite, na CNN e na Fox News?
Era o risco não-calculado da
primeira série da história sobre
um conflito ainda em andamento.
Outra explicação pode ser mais
prosaica. Steven Bochco, que não
é bobo, concordou com que sua
parceira e mulher colocasse no ar,
em emissora maior e no mesmo
horário, a série "Commander in
Chief", com Geena Davis como
uma vice-presidente obrigada a
assumir a Casa Branca.
"Commander in Chief" roubou
espectadores de "Over There". Ou
seja: em suas horas de lazer, o
americano prefere sonhar com
Hillary Clinton na presidência do
que com a tigrada no Iraque.
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