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O herói de Vargas Llosa
Cem anos após o cônsul inglês Roger Casement investigar genocídio indígena na Colômbia, Folha vai à região visitada pelo personagem que inspirou novo livro do escritor peruano
MARCELO JUSTO
ROBERTO KAZ
ENVIADOS ESPECIAIS A LA CHORRERA
(COLÔMBIA)
A editora Alfaguarra lançou nesta semana, nos países de língua hispânica, "El
Sueño del Celta" (o sonho do
celta), novo livro do escritor
peruano Mario Vargas Llosa,
agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2010.
O romance, com tiragem
de 500 mil exemplares em espanhol (a tradução para o
português sai em 2011 pela
Objetiva), é baseado na história real de Roger Casement
(1864-1916), cônsul-geral da
Inglaterra no Brasil no princípio do século passado.
Em sua passagem pela
América do Sul, de 1906 a
1913, Casement foi convocado pela Coroa Britânica para
investigar uma suspeita de
genocídio indígena que estaria ocorrendo nas imediações do rio Putumayo -um
território amazônico disputado por Colômbia e Peru.
As acusações recaíam sobre dono e funcionários da
Peruvian Amazon Company,
empresa peruana de extração de borracha -mas cujo
capital era negociado na Bolsa de Londres.
Em agosto de 1910, Casement atravessou o rio Amazonas para chegar ao vilarejo
de La Chorrera, onde estava
sediada a principal central
de extração de borracha. Lá
permaneceu durante dois
meses, entremeados por visitas a outras cinco centrais
dos arredores.
O período foi descrito em
cartas, diários e em um dossiê de 136 páginas endereçado em 1912 ao rei da Inglaterra. O documento apontava
que 30 mil índios de La Chorrera foram mortos por tiro,
fogo, inanição ou afogamento, que 90% dos sobreviventes foram torturados e que as
punições iam de chibatadas
a amputação de membros.
Em outubro último, cem
anos após a passagem de Casement por La Chorrera, a
Folha voltou à região, hoje
território colombiano e acessível por barco (15 dias de
viagem a partir de Letícia) ou
avião (um voo semanal partindo de Bogotá).
CASA ARANA
Da época em que protagonizou a extração da borracha, resta apenas uma estação, a Casa Arana, nome herdado de Julio Cesar Arana
(1864-1952), presidente da
Peruvian Amazon Company
e tido, pelos aborígenes, como o Hitler de La Chorrera.
Foi nesta casa -hoje uma
escola- que Casement ficou
hospedado sob os cuidados
de homens a quem depois incriminaria (não havia outra
possibilidade de abrigo que
não nas dependências da Peruvian Amazon Company).
Foi também nela que adotou dois índios -Omarino e
Arédoki-, que levou consigo
à Inglaterra, de forma a fazê-los vitrine de sua defesa dos
aborígenes.
Por fim, foi da Casa Arana
que presenciou, em 30 de outubro de 1910, dezenas de índios -"homens, mulheres,
garotos, crianças"- descarregando levas de borracha.
"Uma criança chamada Kaiemi pesava 29,5 kg e levava
30,5 kg nas costas", escreveu, em seu diário. "Vi essa
confirmação dos fatos com
certa alegria."
O período é hoje pouco
lembrado na região. A última
testemunha do genocídio,
Eulalya Kuditofe, morreu no
ano passado, aos 103 anos. O
cacique da tribo, Manuel Za
fyama, 56, ensina que tocar
no assunto "é abrir a ferida".
Harryson Ceoneray, 35, secretário da associação indígena de La Chorrera, conta
que, por princípios tribais,
não se deve falar de tristezas
passadas: "Por isso, em vez
de fazer daquilo um museu, o
transformamos em uma escola, um centro de vida".
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