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CRÍTICA
Artista não quer entender, só liquidificar
do enviado ao Rio
Esse Beck é um sujeito esquizofrênico. Tem a mania (obsessão?)
de provar de CD a CD que possui
várias -múltiplas- personalidades musicais. E que, apesar disso, é
um sujeito só por trás de todas elas.
Assim, quando surgiu, em 94,
com "Mellow Gold", era o eletrificador do folk, a reprocessar formas musicais tradicionais em hip
hop, em sons próprios dos 90.
Como ainda não era ninguém,
pôde de início lançar discos paralelos em esquema independente, e
aí passou a exercitar as mudas de
personalidade.
Em "One Foot in the Grave" (94),
despiu-se da casca moderna e fez-se cantor de country e blues, só.
Em "Stereopathetic Soulmanure",
do mesmo ano, virou o bicho experimental, ensurdecedor, inaudível
de tão antimusical.
Aí era hora de voltar a brincar de
pop star, e "Odelay" (96) anarquizou o pop e eletronizou o elétrico
-e deu ao jovem Beck fama e fortuna planetárias.
"Mutations", o novo, era para ser
outro "indie", mas é claro que sua
gravadora não quis abrir mão do
filãozinho de ouro. Deu abrigo aos
caprichos do mocinho, e o mocinho entregou um disco correto e
bem-comportado.
²
Coisa de mané
Aqui, virou "todos-os-Becks",
quase um crooner de boate, disposto a cantar -brilhantemente- de tudo, de rhythm'n'blues
("Cold Brains") a valsa ("O Maria") a country ("Cancelled
Check") a tema de igreja ("We Live
Again") a bossa ("Tropicalia").
Espera aí, isso é com a gente. Então o mocinho gosta de MPB? Então a bossa nova se chama "Tropicalia"? Claro que ele vai dizer que
veio para confundir, que sabe distinguir alhos de bugalhos, mas sua
esperta investida na MPB, via troca
de bebês, é, sim, coisa de mané.
A letra de "Tropicalia" romantiza (falando de guitarras quebradas, turistas, danças de réptil, confetes, máscaras e canções de funeral) o movimento sessentista, servindo-se de cuícas e da bossa do
crioulo doido em que Sergio Mendes e seu Brasil 66 transformaram
"Mas Que Nada", de Jorge Ben (de
quem Beck é fã assumido).
A intenção é ser esperto e blasé,
centrifugando estilos e embaralhando conceitos. Mas é mané,
adoravelmente mané.
Fora isso, tudo em "Mutations"
soa californiano, sem sê-lo. Seco, o
CD é -embora não seja organicamente- psicodélico. Comparece
a mesma falta de critério: é psicodélico do tipo californiano como
foram Love, Byrds, Jimi Hendrix,
Jefferson Airplane, Doors, até o
soul branco de Van Morrison.
Não há qualquer distinção. A ele
não importa que o Love (banda
que guarda parentesco estranho
com nossos Mutantes, que Beck
parece também admirar) tenha sido luminoso e os Doors, simplesmente messiânicos. O garoto não
quer entender, só liquidificar.
Quem faz toda essa confusão é,
ainda assim, um dos mais inventivos artistas surgidos nos anos 90.
"Mutations" não deixa de ser, nesse sentido, bastante ousado, por
inverter e frustrar expectativas. Há
algo mais a dizer de um disco pop
cuja faixa mais elaborada ("O Maria") parece uma valsinha? Assim é
esse Beck.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
²
Disco: Mutations
Artista: Beck
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 18, em média
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