São Paulo, sexta, 6 de novembro de 1998

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MEMÓRIA
Denoy de Oliveira distinguiu-se pelo afeto

da Redação

Foi, em todo caso, um modo de morrer coerente: do coração, como Denoy de Oliveira (morto anteontem) sempre viveu, e não dos rins, que o ameaçaram seriamente, anos atrás. Naquela ocasião, Denoy foi salvo por um transplante, o órgão tendo sido doado, salvo engano, pelo irmão, o também cineasta Xavier de Oliveira.
O coração é possivelmente o que distinguiu Denoy desde que chegou a São Paulo, nos anos 70. Trazia embaixo do braço a comédia "Amante Muito Louca", seu primeiro filme (para o meu gosto, seu melhor trabalho, com Thereza Rachel como a amante que punha em questão convenções sociais).
Denoy de Oliveira parecia desde então incapaz de uma atitude atritiva. Talvez por isso tenha adquirido rapidamente a confiança dos cineastas paulistas, a ponto de se tornar presidente da Apaci (Associação Paulista dos Cineastas). Não é dizer pouco, pois a Apaci fora fundada num momento em que cineastas de Rio e São Paulo viviam às turras, porque São Paulo sentia-se discriminado pela Embrafilme.
Denoy era um cineasta simples. Filmava com orçamentos baixos, e em geral seus filmes davam a impressão de serem feitos às pressas, como se o fazer cinematográfico o irritasse, como se o cinema fosse uma espécie de exílio a que fora constrangido pelo acaso (ele tinha formação originalmente teatral).
Nunca conversamos mais de dois minutos sobre nossas divergências, que eram muitas, em parte porque Denoy parecia não se interessar muito por isso, como se buscasse ter com as pessoas um relacionamento direto, que passasse ao largo das idéias. O mais estranho é que conseguia.
Se alguém perguntar qual o maior legado de Denoy de Oliveira para o cinema brasileiro, será possível pensar em algum de seus filmes, em alguma idéia.
Mas sua principal contribuição terá estado, talvez, em um modo de ser. Fazia política sem se indispor com quem divergia de suas idéias, mas também sem abrir mão delas. Se discutia, evitava que isso alterasse a cordialidade e o afeto.
Num meio por vezes toldado por relações de concorrência muito fortes, Denoy de Oliveira estabeleceu um patamar de relacionamento tanto pessoal como político baseado no cavalheirismo e no afeto que dedicava às pessoas. Muitas vezes, era o que fazia a diferença.
(INÁCIO ARAUJO)



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