São Paulo, quarta-feira, 06 de dezembro de 2006

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Grupo faz "artivismo" em ação em São Paulo

Experiência Imersiva Ambiental propõe questionamento da vigilância

Performance em câmeras instaladas na cidade se inspira em exemplos anteriores; projetos como esse estão na Bienal de SP


ADRIANA FERREIRA SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa cidade como São Paulo, não é novidade andar pelas ruas e assistir a cenas inusitadas, que parecem ter saído de um filme. Hoje, no entanto, alguns movimentos duvidosos podem fazer parte de um projeto artístico.
A partir das 11h, num local não-divulgado -para não estragar a surpresa-, cerca de 25 pessoas irão protagonizar performances diversas diante das câmeras que vigiam as ruas. A atuação, batizada de "Atitude Suspeita", faz parte da semana de eventos proposta pelo Experiência Imersiva Ambiental (EIA), grupo que reúne artistas de todo o país para fazer trabalhos de arte pública, que tanto podem ser uma festa como uma ação, como a desta manhã.
Essa atividade se encaixa em duas categorias que, segundo o pesquisador Ricardo Rosas, 36, criador do site Rizoma (endereço ao lado), têm proliferado no Brasil: a da "mídia tática" e a da "arte ativista", engajada ou "artivista". A exemplo de artistas, grupos e coletivos espalhados pelo mundo todo, os brasileiros têm desenvolvido trabalhos que questionam a mídia, a política e a própria arte por meio de instalações, performances, vídeos etc.
Por trás das ações que irão ocorrer hoje -que também não foram descritas, para não estragar a surpresa- estão questões como "Quais são os direitos sobre o uso da imagem?" ou "Por que devemos ser vigiados?" . "Recebemos pela internet o número de câmeras que existe em SP e o local onde se encontram. Pensamos que seria engraçado se estivessem acontecendo coisas suspeitas em frente a elas", explica Eduardo Verderame, 35, integrante do EIA.

Vigiados
Críticas tendo como ponto de partida as câmeras de vigilância estão longe de ser uma novidade. Em Nova York, o grupo Surveillance Camera Players (www.notbored.org/the-scp.html) mapeia locais onde estão esses equipamentos em cidades americanas e realiza performances.
Na 27ª Bienal de São Paulo, o paulistano Marcelo Cidade espalhou câmeras de papelão pelo prédio da mostra. "A câmera de vigilância faz parte de nosso cotidiano. Cada vez mais as imagens ali geradas podem ser também assistidas em público. Isso sugere que, na sociedade em que vivemos, o espetáculo e a vigilância se sobrepõem. Questões ligadas à privacidade, ao direito individual, ao testemunho legal se interpenetram com a arte", explica Cristina Freire, 44, co-curadora da Bienal e professora do MAC-USP.
"Acredito que não basta apenas valer-se das imagens da câmera de vigilância, mas refletir sobre seu sentido e significados mais profundos", completa Freire. No caso do EIA, Verderame diz que o grupo prefere acreditar no "poder simbólico" da "Atitude Suspeita".
"A atuação vai repercutir em outros lugares, os registros serão mostrados para outras pessoas, e o número de pessoas a tomar contato com a questão cresce, outros se envolvem", aposta Verderame.
O inusitado é que a crítica ao uso desses dispositivos pelo poder público para vigiar os paulistanos foi desenvolvida dentro de um órgão público: a Oficina Oswald de Andrade, onde o EIA realizou o curso "Vigilia", que preparou os artistas para a "Atitude Suspeita".
"Nós usamos o equipamento público para o que ele deve ser usado: em prol das pessoas, da liberdade de pensamento e expressão", fala Verderame.

Engajados
As ruas não são o único cenário dos "artivistas". Na Bienal, além de Marcelo Cidade, houve a controversa participação do coletivo dinamarquês Superflex, que ficou de fora da mostra porque pretendia reapropriar-se dos ingredientes de um refrigerante e, eliminando a marca, converter o lucro aos produtores comunitários.
Ainda na Bienal, Cristina Freire destaca a instalação da brasileira Renata Lucas e a obra da mexicana Minerva Cuevas, que, descreve a curadora, "criou a empresa virtual Mejor Vida Corporation, com estrutura similar à das grandes corporações". "Essa corporação artística opera na "www" [internet], subverte o sentido de comércio na rede e questiona dali a paisagem social em tempos de globalização", diz a curadora.

De longa data
Ricardo Rosas destaca que as ações de mídia tática e arte ativismo -veja definições ao lado- estão, "aos poucos", amadurecendo no Brasil. Um exemplo disso é o curso sobre intervenção urbana ministrado pelo artista catalão Antoni Muntadas, na USP.
Mas Rosas faz questão de lembrar que os que atuam hoje são herdeiros de grupos como o 3Nós3, formado por Mario Ramiro, Rafael França e Hudnilson Jr.. Em 1979, o trio fez a intervenção "Ensacamento", cobrindo com sacos de lixo a cabeça de esculturas e monumentos públicos de São Paulo.
"Nos anos 60 e 70, muitos artistas no Brasil e em outros países da América Latina valeram-se de estratégias e práticas que extrapolaram o restrito campo da arte em seus meios e técnicas convencionais. A situação política vivida naquele momento é importante para compreender essas proposições", avalia Freire.


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